“Governo não vai mexer no Piso da Saúde”, afirma Swedenberger Barbosa
Mesa de encerramento do VIII Simpósio do Cebes discutiu “Passado, presente e futuro na luta por saúde e democracia”
O secretário-executivo do Ministério da Saúde, Swedenberger Barbosa, afirmou, durante a mesa de encerramento do VIII Simpósio do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes), que o governo não vai mexer no Piso da Saúde.
Nos dias 31 de outubro e 1º de novembro, o Centro de Formação Frei Humberto, em Fortaleza (CE), recebeu o VIII Simpósio do Cebes. A mesa de encerramento, intitulada “Passado, presente e futuro na luta por saúde e democracia”, reuniu organizações sociais, representantes do controle social e Ministério da Saúde para discutir os desafios emergentes frente ao cenário político e social do país, com a presença do presidente, Carlos Fidelis, e da vice-presidente, Lenaura Lobato.
A necessidade de resgatar o controle social da Saúde, com base nos territórios e em conexão com a população, esteve presente em inúmeras falas. O Cebes reafirmou a importância da crítica e construção positiva, inclusive no contexto de um governo de centro-esquerda.
Desafios do controle social – Pedro Alves de Araújo Filho, presidente do Conselho Municipal de Saúde de Fortaleza (CMS), abordou os impasses e desafios relacionados à participação popular e ao controle social no SUS. Segundo ele, apesar de existir um consenso entre gestores sobre a importância do controle social no planejamento e na gestão do sistema, há dificuldades para que essa participação se materialize efetivamente nos espaços institucionalizados.
Pedro enfatizou a relevância da participação social como uma diretriz constitucional não apenas para a saúde, mas para todas as políticas públicas no Brasil. “A participação da sociedade no processo de formulação e monitoramento das políticas de saúde é um pilar essencial para a sustentabilidade do SUS”, afirmou.
Pedro fez uma crítica ao fisiologismo, à cooptação e ao corporativismo que frequentemente afetam o controle social do SUS. Embora a função dos conselheiros de saúde deva ser técnica e voltada ao bem coletivo, muitas vezes esses espaços são permeados por interesses clientelistas. “O que se vê muito é um corporativismo, mesmo dentro dos conselhos”, afirmou, destacando que essa prática desvia o foco das pautas realmente relevantes para a população e para o sistema de saúde.
Francisco Adriano Duarte Fernandes, presidente do Conselho Estadual de Saúde do Ceará (CESAU) apontou para o grande desafio representado pela falta de conhecimento da população sobre seus direitos e sobre o próprio funcionamento do SUS.
Fernandes também chamou atenção para o problema da interferência política nos conselhos de saúde, o que frequentemente limita a diversidade e a representatividade real da população nesses espaços. Ele relatou casos em que conselheiros foram escolhidos por influência de políticos locais. “Há conselhos que apenas referendam as decisões da gestão sem um debate crítico e comprometido com a população”, criticou.
Fernandes ressaltou, ainda, a necessidade de capacitação dos conselheiros e da população sobre os instrumentos de gestão do SUS, como os sistemas DigSUS e IntegraSUS, que oferecem transparência ao acesso a recursos e ao processo decisório.
Risco ambiental – Francisco Adriano Duarte Fernandes destacou uma questão ambiental alarmante que afeta diretamente a saúde das comunidades locais. Ele alertou para o que considera um erro estratégico do governo do estado do Ceará: a exploração de urânio e fosfato na mina de Itataia, localizada próxima a comunidades vulneráveis. Fernandes relatou que, em uma área a apenas 72 km da mina, 15 poços de água foram testados, e 14 deles apresentaram contaminação, com níveis de radiação sete vezes acima do permitido.
Para Francisco, as consequências da exploração da mina superam em muito qualquer vantagem. Ele destacou que o consórcio responsável promete a criação de empregos, mas questionou a que custo isso se dá, enfatizando que “a defesa da vida deve vir antes de qualquer outro interesse econômico.”
Ele também questionou a sustentabilidade do uso da água na mineração, destacando que a quantidade de água consumida pela mina em apenas uma hora equivale ao consumo diário da população de Fortaleza. Segundo Fernandes, não há clareza sobre como a água utilizada será tratada e devolvida ao meio ambiente, e ele alerta para o risco de contaminação em municípios como Itatira, Santa Quitéria, Madalena e Canindé, com impactos que podem chegar até o Pecém e a Fortaleza em caso de um desastre ambiental.
A questão ambiental também teve destaque na fala de Alexsandra Rodrigues de Lima, representante do Movimento dos Sem Terra (MST). Para Alexsandra o agronegócio compromete a sobrevivência da população brasileira, pelo impacto ambiental.
Alessandra destacou, ainda, a dimensão social e econômica da Saúde, iniciando sua fala com a apresentação de um vídeo ilustrando o impacto das cozinhas solidárias do MST. A iniciativa busca garantir o direito à vida e a soberania alimentar.
“O SUS é fundamental para nós, e não vamos deixar que esse modelo destrua nosso trabalho, especialmente políticas que garantem nosso acesso à sobrevivência e uma vida de qualidade”, ressaltou a representante do MST.
Autocrítica e valorização das conquistas
Fernando Pigatto, presidente do Conselho Nacional de Saúde, reconheceu a importância de realizar uma autocrítica sobre as falhas e desafios do SUS, mas destacou a necessidade de reconhecer e valorizar as conquistas já alcançadas. Ele citou avanços, especialmente com a realização das Conferências Nacionais de Saúde, como a 16ª e a 17ª, que introduziram novas formas de mobilização e planejamento. “Tem muita coisa que conquistamos; é só olhar, ler e analisar. Precisamos seguir cobrando a execução das ações definidas nos planos nacional, estaduais e municipais de saúde, como fizemos ao mudar a estrutura das etapas estaduais e nacionais das conferências”, afirmou.
Pigatto mencionou ainda a participação inédita do Conselho Nacional de Saúde no grupo de transição do governo federal, oportunidade que permitiu ao conselho levar propostas discutidas amplamente com a sociedade para o novo governo.
Pressão social é necessária
Swedenberger Barbosa, secretário-executivo do Ministério da Saúde, afirmou que o governo não vai mexer no piso da saúde — ou, pelo menos, não observa nenhum movimento nessa direção por parte do presidente. Destacou, porém, que o desenvolvimento do SUS e de outros direitos sociais depende da mobilização e da pressão da sociedade sobre o governo.
“Os governos, mesmo os de esquerda, só avançam com a pressão da sociedade”, afirmou. Swedenberger destacou que o SUS nasceu da construção social e da luta pelo direito à saúde, um processo que se consolidou com a Constituição de 1988 e com a criação das leis que regem o sistema.
Para Swendenberger, o fortalecimento dos conselhos locais de saúde é essencial para aprofundar a democracia no SUS. Ele elogiou a iniciativa do Conselho Nacional de Saúde de revitalizar esses conselhos, que são o último nível de capilaridade democrática dentro do sistema de saúde.
Ampliação do diálogo
Fidelis e Swendenberger enfatizaram a necessidade de ampliar o diálogo dos defensores do SUS com outros atores sociais, como movimentos de trabalhadores rurais, entidades de luta por moradia e outras organizações que defendem direitos sociais.
“Precisamos ampliar os atores sociais capazes de garantir o processo, senão estaremos falando apenas para nós mesmos”, afirmou o secretário-executivo.
Para Fidelis, o diálogo ampliado com os movimentos sociais, chamados a compor a mesa do encerramento, é uma estratégia indispensável para defesa do SUS. Sem essa ampliação, a discussão sobre o SUS corre o risco de se limitar a um público específico, restringindo o alcance e o impacto das políticas de saúde.
Chamada à ação
Lenaura Lobato, vice-presidente do Cebes, destacou o compromisso do Cebes com uma crítica construtiva e uma ação efetiva. Ela reconheceu os avanços do SUS até o momento, mas enfatizou que isso não é suficiente diante da gravidade da situação atual. “Nós reconhecemos esses avanços, mas sabemos que estamos em um momento muito grave. Precisamos garantir nosso SUS, nossa democracia, nossa ministra e o piso da saúde”, afirmou Lenaura.
Ela reforçou a necessidade de avançar na luta contra as forças da direita e do mercado que buscam enfraquecer o sistema de saúde pública. “Eventualmente, vamos criticar o governo”, explicou, destacando importância de formular críticas embasadas e discutir as questões em profundidade, evitando a superficialidade das redes sociais.
Lenaura concluiu afirmando que o Cebes seguirá firme na sua missão de construir uma crítica positiva e fundamentada, comprometida com a defesa do SUS e da democracia. “Esse é o nosso papel: a crítica e a construção positiva para garantir nosso Sistema Único de Saúde, garantir nossa democracia e, mais do que isso, avançar na direção de uma saúde pública robusta e acessível para todos.”