IDSUS – Números sem epidemiologia: como prestar um desserviço ao SUS e aos bons gestores
“Parte da tecnocracia do Ministério da Saúde acaba de brindar à sociedade brasileira com um disparate metodológico a título de atender a fome do chamado “ranqueamento” (no meu tempo era classificação, como ainda é no futebol), que frequenta com avidez uma parte da grande mídia brasileira. E pior, pretendendo se constituir num processo de pontuação isento de contaminação política ideológica”. Confira artigo de José Noronha sobre o Índice de Desempenho do SUS (Idsus).
Diz o Ministério que se baseou teoricamente (?) no Projeto Desenvolvimento de Metodologia de Avaliação do Desempenho do Sistema de Saúde Brasileiro PRO-ADESS, projeto liderado pela ABRASCO e pelo ICICT da Fiocruz. Ao contrário do que diz o Ministério, o PRO-ADESS foi desenvolvido justamente para se OPOR à proposta de utilização de indicadores compostos ou agregados para hierarquizar países que foi empregado pela Organização Mundial de Saúde para produzir seu malsinado Relatório Mundial de Saúde de 2000, rejeitado pelo Brasil e por toda a comunidade acadêmica séria nacional e internacional que se manifestou nos anos imediatamente seguintes à sua divulgação. A proposta central é de que a saúde é multidimensional e deve ser avaliada matricialmente e não somando variáveis de dimensões diferentes para chegar a um índice único. E ainda pior, em corte transversal, sem levar em conta a evolução de cada uma das variáveis ao longo do tempo.
O Idsus soma mortalidade infantil com acesso, com taxas de cesarianas, frequência de consultas pré-natais, com cobertura nominal de PSF e mais outros tantos para chegar ao tal indicador único e classificar estados e municípios. O resultado não podia ser outro. Atribui ao SUS uma nota medíocre desprovida de significado lógico, que foi logo embalada pela grande imprensa como prova contundente de seu fracasso. Uma das mais festejadas administrações municipais por todos os indicadores que utilizemos, a de Aracaju, sai mal na fita: tira nota mais baixa do que prefeituras que sabidamente nunca tiveram compromisso com a saúde pública. Outra que sempre ilustrou trabalhos científicos sérios bem feitos e documentados, a cidade de Belo Horizonte, também não é o que imaginávamos. O Rio de Janeiro tira a nota mais baixa entre as capitais. Qualquer observador pouco atento rapidamente comprovará a falácia da classificação. Não é coisa séria. Felizmente, o tempo e a realidade se encarregarão de sepultar na poeira tão funesta iniciativa.
José Noronha é Diretor ad-hoc do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde – CEBES e médico do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde da Fundação Oswaldo Cruz (ICICT/Fiocruz)