Impostos, saúde e palavras. Por José Noronha
Artigo publicado no jornal O Globo (22/06/2010)
A afirmação “não existe essa coisa de almoço grátis”, de Milton Friedman, Prêmio Nobel de Economia, parece que se tornou possível no Brasil quando se trata de prestações de serviços pelo poder público, em particular pelo SUS, nosso sistema de saúde.
E dizem que a culpa é da cozinheira que não sabe cozinhar, quando falta dinheiro para comprar comida. O Brasil gasta 8,4% de seu Produto Interno Bruto (PIB) com saúde. Não é pouco. Gastamos como o Reino Unido (8,4%), Espanha (8,5%), Itália (8,7%) e Austrália (8,9%).
Comparados os gastos per capita, veremos que contribuímos com menos que um terço desses países: US$ 884 para o Brasil, comparados a US$ 2.671 para a Espanha, US$ 2.686 para a Itália, US$ 2.992 para o Reino Unido e US$ 3.357 para a Austrália, em poder de paridade de compra. É impossível imaginar prestar os mesmos ser viços, com a mesma qualidade.
A meta é acabar com as filas, fazer transplantes, evitar amputações, para 200 milhões de brasileiros.
Para isto também são necessárias mudanças administrativas, mas como fazer sem aumentar contribuições? Sobretudo depois de subtraídos R$ 40 bilhões de receita para a saúde, pela oposição, com a extinção da CPMF, criada no Governo Fernando Henrique.
O setor privado dos planos de saúde no Brasil, que funciona buscando a eficiência máxima para competir com seus concorrentes, com qualidade para seus clientes e lucratividade para seus acionistas, teve, em 2009, uma receita bruta de R$ 63 bilhões, para cobrir 25% da população, cerca de 50 milhões de brasileiros.
Se supusermos que esse setor coloque à disposição de todos os seus beneficiários, além das consultas e internações habituais, os mesmos serviços garantidos pelo SUS (transplantes, vacinas, controle de endemias, medicamentos de alto custo etc), o setor público teria a seu cargo 150 milhões de brasileiros.
Para atender o triplo de pessoas, com o mesmo nível de eficiência gerencial e econômica do setor privado, o público deveria dispor do triplo de recursos, ou R$ 189 bilhões.
Não foi isto que aconteceu.
O orçamento executado pelo Ministério da Saúde — de R$ 60 bilhões, menor que a receita do setor privado — somado às despesas dos estados e municípios totalizou um gasto público de R$ 120 bilhões com saúde. Ficaram faltando setenta bilhões! Sem aumentar a carga tributária, temos que buscar maneiras de ampliar a oferta de recursos, a partir do crescimento econômico do país. A nossa carga situa-se em torno de 35%, inferior à média dos países da OCDE, e menor que em todos os países conhecidos por mais justiça social como Dinamarca e Suécia (48%), França ou Noruega (43%) e Reino Unido e Espanha (37%). Para isso, há que corrigir duas grandes iniquidades: a fiscal, por tributar excessivamente o consumo e os salários; e a distributiva, pois, no caso da saúde, uma fatia relevante de subsídios fiscais destina-se ao financiamento do setor privado. Um exemplo é a renúncia fiscal decorrente da ausência de limites nas deduções para despesas com saúde no Imposto de Renda de Pessoa Física, estimada em torno de R$ 5 bilhões por ano. Outro, os planos de saúde feitos por empresas para seus empregados, correspondentes a três quartos dos contratos: são salários indiretos e não tributados, que resultam numa despesa tributária de cerca de R$ 30 bilhões.
É fácil atribuir as nossas carências a problemas de “gerenciamento” do sistema, ainda que esses existam. Mas urge uma reforma tributária que, simultaneamente, estimule o desenvolvimento e promova mais justiça fiscal.
Fonte: JOSÉ NORONHA – O Globo