Indigestão
O Estado de S. Paulo – 29/04/2012
Os planos de saúde estão com indigestão. Apenas a chamada classe C recebeu mais de 40 milhões de novos integrantes nos últimos sete anos. São agora 103 milhões (ou 54%) dos brasileiros, aponta o estudo O Observador Brasil 2012, da consultoria Cetelem BGN, do Grupo BNP Paribas (veja o Confira). E essa massa de consumidores vai migrando para planos de saúde, porque não quer mais depender só da precariedade dos serviços do Sistema Único de Saúde (SUS). Desde 2005, o número de beneficiários de planos médicos hospitalares cresceu 29%. Já são 47 mil. E há ainda 16 milhões atendidos por planos odontológicos (veja o gráfico). Ao final de 2011, quase 1,6 mil operadoras atuavam no País – apontam estatísticas da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). O Instituto de pesquisas Data Popular indica que, em dez anos, despesas com serviços de saúde feitas só pelas classes médias aumentaram 130%. A expansão provém tanto da estabilização econômica obtida no período Fernando Henrique como das políticas de crescimento de renda do período Lula-Dilma. O presidente da Associação Brasileira de Medicina de Grupo (Abramge), Arlindo de Almeida, festeja o novo filão: “É a classe C no foco dos negócios das empresas de saúde”. As seguradoras têm 9,0% do mercado; cooperativas médicas, 28%; e empresas de medicina de grupo, 33%. O sonho do plano de saúde vem logo em seguida do sonho da casa própria, observa Bruno Sobral, diretor de Desenvolvimento Setorial da ANS. Mas os problemas se acumulam. Enquanto a busca pelo serviço de saúde desaba sobre o mercado como cachoeira, a oferta recolhe essa demanda com algumas bacias. Só no primeiro trimestre deste ano, primeiro de vigência dos novos prazos máximos de atendimento estipulados pela ANS, registraram-se 2.981 infrações – 19% das empresas do segmento foram objeto de queixas. O setor começou a se expandir nos anos 70 para atender às necessidades das classes médias. Mas avançou com mentalidade amadora, sem muita preocupação com qualidade gerencial, sem ganhos de escala e sem controle de custos. A grande demanda dos últimos dez anos parecia boa chance para avanços em racionalidade administrativa. Mas as fusões e incorporações se limitaram às grandes operadoras. Poucas mudanças aconteceram na maioria do setor, de pequenas e médias. A população quer qualidade e nem sempre tem noção da atual desproporção entre os custos crescentes dos serviços de saúde e as contribuições que faz. Dante Montagnana, presidente do Sindicato dos Hospitais, Clínicas e Laboratórios de São Paulo, pergunta: “Como esperar que serviços pagos com R$ 50 por mês atendam a toda essa demanda? Só para comparar, grandes operadoras cobram mais de R$ 400 mensais de fatias pequenas da sociedade, as classes A e B (22% da população), e também já não dão conta”. Essa desproporção motivou, nesta semana, manifestações de médicos em 12 Estados do Brasil, inconformados com o pagamento mínimo de R$ 12 por consulta. Os planos de saúde não se prepararam para a demanda do mercado e, assim, frustram o sonho de toda essa gente. Essas coisas têm consequências.
O gráfico mostra como os brasileiros de baixa renda ascenderam às camadas de maior poder aquisitivo. São eles que mais pressionam por casa própria, atendimento de saúde, educação e segurança. É também a faixa da sociedade mais visada pelos setores da economia que procuram por novos mercados – especialmente instituições financeiras, empresas do setor de viagens (transportes aéreos) e de instrução.