Internalizar, interiorizar e regionalizar! Mais e melhores políticas públicas para as mulheres
Por Cynthia Mara Miranda/ Blog da Igualdade – Correio Braziliense
Nota do Blog: Neste 8 de Março, Dia Internacional da Mulher – do combate às injustiças, violências e discriminações contra elas –, está na hora de se pensar, refletir e debater sobre políticas públicas realmente eficazes contra o preconceito – social, econômico, cultural e sexista/machista – contra as mulheres, no Brasil e em boa parte do mundo. O texto da professora e pesquisadora Cynthia Mara Miranda reflete sobre a necessidade de maior visão e conhecimento sobre as especificidades regionais, em um país de proporções continentais como o Brasil, para tornar eficaz toda e qualquer política pública que vise melhorar as condições e a qualidade de vida das mulheres brasileiras. No Norte, no Centro-Oeste, no Nordeste, ou no eixo Sul-Sudeste. Boa leitura e que as lutas feministas frutifiquem, mais e mais, todos os dias!
As mulheres das diversas regiões brasileiras têm buscado acessar os diferentes componentes do desenvolvimento – saúde, educação, oportunidades econômicas, direitos e participação política –, em dinâmicas plurais que as coloquem como agentes ativas de mudanças. Percebe-se, no entanto, que o acesso não tem ocorrido da mesma maneira para todas. E a carência, ou a falta de oportunidades, para elas é uma reflexão necessária neste Dia Internacional da Mulher.
É fato a diferença na qualidade de vida para as mulheres que vivem nas regiões Sul e Sudeste do país. Elas têm sido mais exitosas na busca de condições melhores, ao passo que aquelas residentes na região Norte têm enfrentado mais obstáculos para conseguir o acesso à educação, ao trabalho, ou aos serviços públicos de modo geral.
Embora a desigualdade entre os gêneros no Brasil tenha sido reduzida nos últimos 10 anos, graças ao compromisso do governo com a integração das políticas para as mulheres, tais ações estão distantes de atender, de forma mais ampla, toda a diversidade de seu público alvo. Por várias razões, entre elas, as desigualdades regionais. Avançar na interiorização das políticas públicas para as mulheres requer considerar o desenvolvimento regional como aliado da igualdade.
E o desenvolvimento regional na perspectiva de gênero é um tema recente que começa a consolidar-se como um eminente campo de estudos, que atrai a atenção de pesquisadoras de universidades distantes dos grandes centros de ensino e pesquisa do eixo sul-sudeste. É o caso das universidades federais do Amazonas, do Pará e do Tocantins.
O governo federal realizou, em 2013, a I Conferência Nacional de Desenvolvimento Regional, com o objetivo de formular princípios e diretrizes para uma nova política regional brasileira. No relatório final da conferência, que resultou em 21 propostas prioritárias, apenas duas fazem referência indireta às questões de gênero: no que diz respeito à valorização dessa diversidade, dentre outras, como as gerações, as etnias e as raças.
A principal proposta, que trataria do desenvolvimento regional na perspectiva de gênero – Respeito às diversidades regionais e de gênero –, ficou fora da lista de das 21 em destaque, por baixa votação. Ela estabeleceria critérios para a distribuição de recursos que fortaleçam as regiões com menor índice de desenvolvimento e a equidade de gênero. Assim, incentivaria a organização produtiva das mulheres e tornaria as políticas públicas mais acessíveis.
No que se refere às 95 diretrizes, somente duas destacam as questões de gênero. São elas: assegurar a participação das populações historicamente excluídas (mulheres, crianças/adolescentes, idosos e os povos e as comunidades tradicionais) nas políticas de desenvolvimento e adotar mecanismos de redução das desigualdades regionais e intrarregionais, considerando as dimensões ambientais, culturais, econômicas, sociais, de gênero e étnico-racial. “Dado que mesmo nas regiões mais ricas existe má distribuição de renda”, afirma o documento.
Como é possível notar, a temática ainda enfrenta obstáculos para ser pautada no âmbito governamental. O enfoque do gênero no desenvolvimento busca satisfazer as necessidades das mulheres, partindo de uma análise das relações nas comunidades e instituições que questionam o modelo de desenvolvimento dominante. E propõe uma alternativa de desenvolvimento humano e sustentável aliado à busca da igualdade entre os gêneros.
Os movimentos de mulheres da região Norte questionam o tipo de desenvolvimento preconizado pelas grandes obras que priorizam o agronegócio, as usinas hidrelétricas e a extração de minérios. Na região do Bico do Papagaio (extremo norte do Tocantins), conhecida no passado por intensos conflitos rurais e pela pobreza que ainda persiste nos dias atuais, os babaçuais que servem de fonte de renda para as quebradeiras de coco têm perdido espaço para os pastos, as plantações de soja e de madeiras nobres para empresas transnacionais instaladas na região.
Esse tipo de desenvolvimento “vendido para a população” não dá prioridade ao desenvolvimento humano. Consequentemente, tampouco às mulheres, uma vez que elas não são as maiores beneficiadas pelas vagas de emprego geradas pelas obras. Além disso, à margem de tais empreendimentos, tem sido recorrente o aumento da prostituição feminina.
Os referidos problemas poderiam ser combatidos com políticas de desenvolvimento regional que valorizassem o papel das mulheres nos municípios e, claro, com a criação de Organismos de Políticas para as Mulheres (OPMs). Esses ainda estão distantes da realidade do norte do país, já que a maioria se concentra nas capitais que são sedes dos governos estaduais. Poucos são os municípios que apresentam tais organismos em sua estrutura.
Quando abordamos as políticas públicas para as mulheres, nos referimos especificamente às políticas que possibilitam romper com a desigualdade entre os gêneros. A ação governamental com foco nas mulheres, mas sem a perspectiva das relações de gênero, reforça a responsabilidade da mulher na reprodução social (educação das crianças, cuidados com idosos/as e serviços domésticos). Ou seja, está voltada para a manutenção da família e não para a autonomia das mulheres.
Iniciativas de políticas estaduais e municipais que rompam com as desigualdades são raras na região Norte. Quando existem, geralmente estão associadas às políticas do governo federal. A capital do Tocantins, Palmas, destaca-se por uma experiência inovadora para a região. Desde 2013, a prefeitura criou, em caráter experimental, uma creche noturna ligada à Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social.
A creche abre oportunidades para as mães estudarem e/ou trabalharem no período da noite. Existe serviço gratuito e de qualidade para cuidar das crianças, que atende aquelas mulheres que não contam com outras pessoas para tomar conta de seus filhos e filhas. A demanda é crescente e já há planos para a criação de mais uma unidade noturna.
O fato de a região Norte ser uma das que mais carece de investimentos do governo federal impõe obstáculos ao acesso das mulheres aos serviços públicos. Elas enfrentam cotidianamente problemas advindos da feminização da pobreza, dos precários postos de trabalho, da sub-representação nos cargos de decisão e dos altos índices das violências às quais estão expostas. Além de lidar com diversas intempéries sociais oriundas do isolamento, dos conflitos de terra, das condições insatisfatórias dos serviços de saúde, do acesso limitado à qualificação ou das elevadas taxas de desemprego.
Entre os 10 estados brasileiros com maior taxa de homicídio feminino, o Pará ocupa a 5ª posição (Mapa da Violência – Homicídios de Mulheres, do Instituto Sangari, 2012). No que se refere aos convênios celebrados pela Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM/PR) na Ação – Enfrentamento da Violência Contra a Mulher por região, no período de 2003 a 2012, nota-se que 9,85% deles foram firmados para a região Centro-Oeste; 15,09% para a Norte; 30,06% para o Nordeste; e 26,30% Região Sudeste. Os dados estão no relatório final da CPMI da Situação da Violência contra a Mulher no Brasil (2013).
A região Norte concentra o maior percentual de mulheres sem rendimentos: 32,1%, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (2012). Já na região Sul o percentual cai para 25,3%. E é de 28,7% no Sudeste. O rendimento médio das mulheres brasileiras que compõem a população economicamente ativa é de apenas R$ 904, na região Norte, enquanto o das mulheres da região Sudeste é de R$1.307, sendo esta a melhor média nacional (PNAD, 2012).
Não é possível reduzir a desigualdade entre os gêneros sem considerar as especificidades regionais, bem como a necessidade de investimentos dos governos estaduais e municipais na pauta das mulheres. Tampouco é viável a dependência única e exclusiva de recursos do governo federal.
Alavancar o desenvolvimento regional implica reconhecer que as mulheres têm um papel fundamental nesse processo. Assim, resta aos movimentos das mulheres, diante da escassez de OPMs, continuarem atuando para que oportunidades políticas sejam criadas, assim como a abertura do diálogo com o estado possa ser traduzido em mais orçamento para as suas demandas nos planos plurianuais. Isso, consequentemente, fortalecerá as políticas para as mulheres e reduzirá as desigualdades de gênero, especialmente, nas regiões fora do eixo Sul-Sudeste.
*Cynthia Mara Miranda é doutora em Ciências Sociais pela Universidade de Brasília (UnB) e professora do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional e do curso de Comunicação Social da Universidade Federal do Tocantins (UFT). É pesquisadora do Núcleo de Estudos das Diferenças de Gênero (NEDiG)/UFT. Integrou o Grupo de Trabalho sobre Jovens Mulheres, na Secretaria Nacional da Juventude da Presidência da República, entre 2011 e 2013. É membro da Câmara Técnica Estadual de Gestão e Monitoramento do Pacto de Enfrentamento da Violência contra a Mulher e conselheira municipal dos Direitos da Mulher, em Palmas.