Investimento no SUS é ficção orçamentária

Renata Mariz/ Correio Braziliense

Conselho Federal de Medicina e Comissão de Direitos Humanos da Câmara dizem que só 10% da verba prevista para o Sistema Único de Saúde na última década foram efetivamente gastos. Para o governo, estudo não considera contingenciamentos da política fiscal

De cada R$ 10 disponibilizados pelo governo federal na última década para investimento no Sistema Único de Saúde (SUS), só R$ 1 foi efetivamente aplicado no mesmo ano. Levantados com base no Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi), os dados divulgados ontem Pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) e pela Comissão de Direitos Humanos (CDH) da Câmara dos Deputados não contabilizam os restos a pagar quitados posteriormente (valores empenhados em um ano, mas só pagos em exercícios subsequentes). O Ministério da Saúde rebateu as informações, condenando a metodologia usada.

Os cálculos, no formato adotado pelo CFM e CDH, mostraram que, de 2004 a 2013, o Ministério da Saúde teve quase R$ 53 bilhões para compra de equipamentos, ampliação e construção de unidades de atendimento e aquisição de novas tecnologias — gastos classificados como investimento. Mas só aplicou, no ano em que os recursos foram lançado nos respectivos orçamentos do órgão, R$ 5,5 bilhões (10,4%). Na conta, não entram as chamadas despesas com custeio, como pagamento de salários, despesas com luz e água e manutenção de instalações.

Considerados os restos a pagar quitados apenas nos dois últimos anos, levantados pela Consultoria de Orçamento da Câmara a pedido do Correio, os desembolsos totais são um pouco maiores: 3,5 bilhões em 2012 — ou 30% da dotação autorizada de R$ 12 bilhões — e 4 bilhões em 2013 — correspondente a 43% do disponibilizado naquele exercício, que foi de R$ 9,3 bilhões.

As taxas mostram que, mesmo considerando os recursos empenhados em anos anteriores quitados nos dois últimos exercícios, a lentidão do governo em aplicar o dinheiro anda em total descompasso com as necessidades urgentes do SUS. “Só podemos concluir que o Orçamento Geral da União é uma peça fictícia”, critica o deputado federal Arnaldo Jordy (PPS-PA), coordenador da Comissão de Direitos Humanos e integrante de um grupo de trabalho criado pelo colegiado para levantar dados sobre o SUS.

Com o apoio do CFM, da Ordem dos Advogados do Brasil e de representantes do Ministério Público Federal, o grupo de trabalho visitou oito emergências de grandes hospitais em todas as regiões do país, incluindo o pronto-socorro do Hospital de Base de Brasília. Pacientes acomodados em corredores, falta de água até para beber e escassez de materiais básicos, como luvas descartáveis, fazem parte do cenário sombrio encontrado pela comitiva em todas as unidades. “Há pacientes que necessitam de UTI e estão entubados nas salas de emergência. Esses pacientes morrem a granel no país, sem assistência”, denuncia Mauro Brito, coordenador da Câmara Técnica de Urgências e Emergências do CFM.

Resposta

Embora não tenha desmentido os dados orçamentários apresentados pelo CFM e pela CDH, o Ministério da Saúde considerou um equívoco do estudo usar como base a dotação autorizada, “sujeita ao contingenciamento anual definido pela área econômica do governo” — para cumprir metas fiscais , e não o montante “disponível para uso”. Por essa metodologia, alega a pasta, a execução média anual ficaria em 99%, somando R$ 37,7 bilhões. O Ministério não especificou, entretanto, se esse valor se refere a recursos apenas empenhados — quando o dinheiro é reservado, mas o bem ou serviço contratado ainda não foi entregue — ou efetivamente pagos.