Justiça nega pedido de censura do CFM a entrevista

Decisão liminar manteve entrevista de médica que criticou resolução CFM 2.378/2024. A normativa, suspensa pelo STF, restringia acesso ao aborto legal

Tentativa do Conselho Federal de Medicina (CFM) de retirar do ar entrevista com conteúdo crítico foi frustrada pela Justiça, em decisão liminar. A médica Lígia Bahia e o Instituto Conhecimento Liberta (ICL) são alvo da persecução judicial do CFM. Além de censurar o conteúdo, o CFM pede indenização de 100 mil reais da médica sanitarista, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

A decisão liminar avalia que as declarações de Lígia em sua entrevista “devem ser compreendidas como abarcadas pela liberdade de expressão e de crítica política, ainda que contundentes”.

“O que se ventilou na mencionada entrevista também foi alvo de críticas à atuação do CFM em outros veículos de imprensa, seja no que tange à sua tolerância na utilização de tratamentos sem eficácia comprovada durante a pandemia de Covid-19, seja no que concerne à recente Resolução CFM 2.378/2024, que proibiu aos médicos a interrupção de gravidez nos casos de aborto previsto em lei”.

Para o professor Dirceu Greco, membro da Frente pela Vida e da Comissão Científica da Sociedade Brasileira de Bioética, “o CFM entrou com ação judicial extemporânea, intimidatória e incabível contra a professora Lígia”.

“Junto com nossas entidades, nos solidarizarmos e mobilizarmos, pessoal, material e politicamente, a favor da professora Lígia e de todas as pessoas que se posicionam a favor da saúde e dos direitos de todas e todos”, afirmou. Em plenária realizada nesta manhã, a Frente pela Vida aprovou moção de solidariedade a Lígia Bahia.

Resolução criticada por Lígia Bahia foi suspensa pelo STF

A resolução CFM 2.378/2024 impedia a assistência adequada, ao negar o procedimento de assistolia fetal, indicado para interrupções tardias. A normativa foi suspensa pelo Supremo Tribunal Federal (STF), atendendo pedido do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes), da Sociedade Brasileira de Bioética (SBB), da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), da Rede Unida e do Partido Socialismo e Liberdade (Psol), na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 989).

A ADPF busca garantir condições seguras de assistência ao aborto legal, previsto desde 1940 em casos de estupro e risco de vida, e permitido também em casos de anencefalia. O acesso tardio ao aborto legal reflete a inequidade na assistência, atingindo de forma desproporcional crianças (10-14 anos), mulheres pobres, pretas e moradoras da zona rural.

Especialistas ouvidos pelo Cebes Debate avaliam que a demora no atendimento ao aborto legal, gerando interrupções tardias, é um projeto político. Clinicamente simples, o aborto legal poderia ser feito com segurança na UBS nos estágios iniciais, mas é postergado deliberadamente pelo lobby antiaborto.

Manifestação no Museu Nacional, Brasília. 13/06/2024

Reportagem: Clara Fagundes/Cebes