Livro ‘Nas Entranhas da Atenção Primária à Saúde’ busca visibilizar questões de trabalhadores da APS
Felipe Guedes escreve sobre o livro Nas Entranhas da Atenção Primária à Saúde. A publicação, da Hucitec Editora, foi organizada pelo próprio Felipe Guedes, além de Gastão Wagner, Lilian Terra, Mônica Oliveira Viana.
O livro “Nas Entranhas da Atenção Primária à Saúde” organizado pelo Coletivo Paideia, do Departamento de Saúde Coletiva da Unicamp, tem como foco central problemas emergidos a partir da prática concreta dos trabalhadores desse nível de atenção. A diversidade e complexidade das questões com as quais lidam os trabalhadores do Sistema Único de Saúde que atuam diretamente no território já não são novidade, mas aqui elas ganham corpo a partir de casos reais recontados para dar luz a temas que anseiam por mais reflexões.
Sem negar os problemas ligados ao financiamento, à gestão e à organização dos serviços, as discussões apontadas pelo livro tentam alcançar os dilemas que atravessam as equipes no dia-a-dia e para os quais muitas vezes a formação em saúde ainda os prepara pouco. Violência de gênero, pobreza, negligência contra populações vulneráveis são algumas das questões que as discussões empreendidas buscam visibilizar e fazer avançar.
A primeira parte do livro se debruça mais diretamente sobre a temática da formação em saúde e os desafios colocados a partir da ampliação da clínica, com destaque para os grupos Balint-Paideia na formação e na educação permanente de trabalhadores da saúde. A segunda parte busca refletir sobre temas que são largamente reconhecidos como fazendo parte da alçada da APS, tais como os cuidados aos pacientes crônicos e a atenção à saúde da mulher, portanto já muito debatidos. Reconhecendo a insuficiência desse debate, porém, pretende trazer novas reflexões, com abordagens que possuem menos espaço na literatura, como o cuidado interpares para os doentes crônicos, ou uma visão feminista da Saúde da Mulher. Se a segunda parte do livro se esforça em dar nome à complexidade, a terceira parte dá corpo aos desafios e, a partir de relatos de casos atendidos na APS, ilustra um cotidiano de dificuldades, mas também de muitas belezas. A APS em carne e osso, em cores e histórias.
O contexto atual vem sendo marcado pela redução acentuada do financiamento do SUS e por uma série de mudanças nas diretrizes oficiais que vão desconfigurando o papel e o tamanho da Atenção Primária à Saúde. Nesse cenário, dar visibilidade ao trabalho de profissionais que estão há muito na “linha de frente” do cuidado constitui uma forma de resistência importante. Longe de reivindicar a esses profissionais o papel de heróis, muito menos de reafirmar a importância de uma APS isolada, é preciso lembrar que ela só consegue cumprir o seu papel de coordenação do cuidado e principal “porta de entrada” das Redes de Saúde se por trás houver um sistema forte e robusto, além de outros serviços igualmente consolidados em setores pertencentes a outras políticas públicas, como o da Educação e da Assistência Social.
Embora não tenha sido eleita como protagonista nas coberturas da mídia sobre o enfrentamento da COVID-19, em grande medida pela ausência de uma estratégia nacional no combate ao coronavírus, em muitos lugares a APS ocupou um papel importante. Se o seu protagonismo durante a pandemia pode ser questionado, no pós-pandemia não há dúvidas de que exercerá um papel ainda mais fundamental do que aquele que já vinha desempenhando anteriormente. O aumento dos diagnósticos em saúde mental, a emergência da retomada do cuidado aos pacientes com doenças crônicas e os inúmeros casos de sequelas pós-covid são apenas parte das demandas para as quais a APS terá que estar preparada. A julgar pelos desafios que o livro nos mostra, ela poderá exercer uma função crucial.