Lúcia Souto: “Saúde é arma contra a ameaça civilizatória”
Lúcia Souto, presidenta do Cebes, falou ao portal Outra Saúde sobre o resultado das eleições nesse primeiro turno em 2022. Bolsonaro teve votação mais expressiva que apontavam as pesquisas eleitorais e chegou ao 2o turno com ajuda do orçamento secreto e o uso da máquina pública.
Como aponta essa matéria do Estado de S. Paulo, o legislativo federal não contará mais com Henrique Fontana (PT-RS), Chico D’Angelo (PDT-RJ), Ivan Valente (PSOL-SP) e Luiz Henrique Mandetta (União Brasil-MT), que se destacaram na discussão de matérias da saúde nos últimos 4 anos. Foram reeleitos os médicos Arlindo Chinaglia (PT-SP), Jandira Feghali (PcdoB-RJ), Alexandre Padilha (PT-SP), além de Jorge Solla (PT-BA), Doutor Luizinho (PP-RJ), Mário Heringer (PDT-MG) e Luciano Ducci (PSB-PR). A área de enfermagem elegeu o presidente do Conselho Regional de Enfermagem de Minas Gerais, Bruno Farias (Avante) e a enfermeira Ana Paula Lima (PT-SC), além de Carmen Zanotto (Cidadania-SC).
Ex-secretários de saúde, que ganharam notoriedade no combate à covid, como Leo Prates (PDT-BA), Daniel Soranz (PSD-RJ) e Ismael Alexandrino (PSD-GO), além de Beto Preto (PSD-PR, político experiente), conseguiram vaga na Câmara dos Deputados.
Apesar da desastrosa gestão do enfrentamento na pandemia, o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello também foi eleito, provavelmente com votos de militares e familiares. Pazuello foi exceção no campo negacionista da saúde. Tanto Nise Yamaguchi (Pros-SP) e Mayra Pinheiro (PL-CE), a capitã cloroquina, foram mal nas urnas. Mas no Senado, o PL, partido de Bolsonaro, conquistou 8 cadeiras. Veja a seguir um trecho da entrevista com Lúcia. Acesse a íntegra nesse link.
Os resultados eleitorais causaram uma difusão de sentimentos ambíguos. O fato de Lula não ter vencido no primeiro turno, possibilidade que as pesquisas eleitorais ventilaram apenas nos dias finais de campanha, gerou um sentimento de frustração. Mas Lucia Souto, presidente do Centro de Brasileiro de Estudos da Saúde (Cebes), exorta todos à luta e mostra como a saúde pode nos colocar no rumo da vitória e da refundação do Brasil. Até o Congresso eleito há dias pode ser superado se houver pressão popular, pensa ela.
“Na Constituinte de 1988 a grande maioria era o que hoje denominamos de Centrão. E se aprovou uma Carta extremamente democrática popular, conhecida como a Constituição Cidadã, com um parlamento que nem de longe poderia ser tido como progressista. Mas influenciou-se por uma grande mobilização da sociedade. Por isso é importante manter a cabeça fria”.
Lucia Souto reconhece: Bolsonaro e a extrema-direita são uma ameaça à humanidade e, sem dúvida, estamos numa encruzilhada civilizatória. Mas há ferramentas e aliados em quantidade suficiente para vencer o jogo e aproveitar as oportunidades para gerar políticas públicas de bem estar social.
Participante ativa na Conferência Livre de Saúde realizada em agosto, quando o discurso de Lula ficou marcado pela frase “saúde não é gasto público, é investimento”, e na articulação Frente Pela Vida, Lucia Souto elenca as prioridades que essas construções coletivas definiram. Ela fala de diretrizes que podem orientar o país na retomada de sua democracia muito além do campo da saúde.
São quatro eixos centrais: o primeiro é não deixar a saúde ser tratada como mercadoria. O segundo é a garantia do que chama de “orçamento estável”, isto é, imune a puxadinhos como a fuleiragem eleitoreira do Orçamento Secreto, que desfalcará a saúde em 2023. O terceiro ponto é a extensão das redes de atenção integral, com ampliação da Estratégia de Saúde da Família, chegando também à atenção terciária. Por fim, a estabilização da carreira do servidor público.
“Você não pode querer uma Saúde como bem público, como um direito de cidadania tendo profissionais da saúde totalmente precarizados. Estamos vendo a batalha campal que está sendo o piso nacional da enfermagem, com aquele blábláblá neoliberal de que não tem recursos para pagar, coisa que já vem de longa data, debaixo daquela ideia de que os direitos da cidadania não cabem no orçamento. Claro que cabem”, explica.
Como a professora da Fiocruz contextualiza, depois de 2016, com golpe e Emenda Constitucional 95 (“teto de gastos”), o SUS passou do subfinanciamento ao desfinanciamento. Ele está refletido no orçamento de 2023 enviado por Bolsonaro ao Congresso. Para isso, Lúcia confia na articulação de uma “Bancada SUS”, formada por parlamentares eleitos com atuação histórica em favor da saúde pública e aliados que compreendam o setor como chave da reconstrução nacional.
“Nós sabemos a importância estratégica da Saúde como direito, como bem público. Portanto, temos a necessidade de colocá-la como eixo estratégico e fundamental de desenvolvimento, em várias dimensões da ciência, tecnologia, inovação e também para a dimensão da soberania e segurança sanitária (…) É caminho para a radicalização da democracia. No lugar de orçamento secreto queremos orçamento participativo”.