Luis Felipe Miguel: “Órgãos da imprensa corporativa que agora esbravejam contra Bolsonaro estão dispostos a assumir sua parcela de responsabilidade por termos chegado aonde chegamos?”

O professor de Ciência Política da Universidade de Brasília (UNB) Luis Felipe Miguel, coordenador do Demodê – Grupo de Pesquisa sobre Democracia e Desigualdades, comenta o editorial da Folha de São Paulo “Vacinação Já” publicado no último dia 12 de dezembro.

Que editorial “forte” da Folha, não é mesmo? Pediu um basta à “estupidez assassina” do Bozo. Chamou o general da saúde de “fantoche apalermado“. E foi assim até o final. Publicado na capa e tudo.

Mas, fora algum efeito catártico, de que serve essa cortina de palavras?
A Folha e os outros órgãos da imprensa corporativa que agora esbravejam contra Bolsonaro, incluindo a própria Globo, estão dispostos a assumir sua parcela de responsabilidade por termos chegado aonde chegamos?

Ninguém previa o coronavírus, mas o desmonte da saúde pública sempre foi parte do projeto vitorioso no Brasil dos últimos anos.

A imprensa corporativa e a burguesia cujos interesses ela expressa promoveram o golpe de 2016, a emenda de limitação do investimento público, todos os esforços de destruição do Estado brasileiro. O compromisso com essa mesma agenda foi o que exigiram de Bolsonaro para apoiá-lo.

Até hoje, a política de Guedes – à qual a qualificação de “estupidez assassina” também cairia como uma luva – é protegida da crítica. O editorial da Folha, por exemplo, nem menciona o ministro da Economia, como se ele não tivesse nenhuma parcela de culpa pelo desastre.
A ausência de vacinação no Brasil é a famosa tragédia anunciada. Uma parte importante da responsabilidade é da nossa direita pretensamente civilizada e iluminista, que mesmo nas circunstâncias atuais mantém como prioridade impedir que o campo popular volte a ser admitido como interlocutor do debate público – e para isso continua em aliança tácita com a extrema-direita.

Não basta xingar Bolsonaro e Pazuello. Quero ver a autocrítica da Folha, que se comportou – em relação à democracia e ao progresso social do Brasil – com a mesma “irresponsabilidade delinquente” que ela corretamente atribui ao governo atual no tratamento da crise sanitária.