Luis Roberto Barroso: ”A intervenção judicial não pode ser inconsequente”

O advogado constitucionalista Luis Roberto Barroso é uma das maiores autoridades em Direito e política no Brasil, tendo, entre tantos outros, um estudo importante sobre o tema. Com uma extensa vida acadêmica como professor titular da Uerj e da Fundação Getúlio Vargas, Barroso ainda inclui, em sua trajetória, a militância no Supremo Tribunal Federal (STF). Doutor em Direito Público, ele acredita que, no caso da Judicialização da Saúde, “a escolha por incluir ou não determinado procedimento ou medicamento nas listas do SUS não pode ser aleatória. Assim como a intervenção judicial nesses arranjos não pode ser inconseqüente”.

1) As  demandas judiciais individuais na justiça brasileira por medicamentos e complexidade têm aumentado significativamente. Diante desse cenário, como o Estado pode garantir o direito à vida e à saúde, levando-se em conta a questão  orçamentária?

A escassez de recursos é um fato – dar para um é tirar de outros – e os princípios orçamentários e da separação dos Poderes são constrangimentos importantes a uma atuação mais abrangente do Poder Judiciário nessa matéria. Portanto, em um plano mais geral de observação, diria que a atenção deve estar voltada para fortalecer a democracia e ampliar o controle social sobre os agentes políticos, de modo a exigir deles as políticas públicas necessárias. De todo modo, não é possível suprimir a possibilidade de intervenção do Judiciário, que acaba potencializada pelas múltiplas deficiências do sistema público de saúde. No entanto, sem prejuízo de importantes decisões, não acho que seja possível reformar a saúde de forma abrangente pela via do Judiciário. A multiplicação de decisões individuais em matéria de saúde já vem criando embaraços para a Administração Pública e, em último grau, dificultando a própria prestação do serviço para os demais usuários. Uma forma de minimizar esse efeito colateral é priorizar os processos coletivos e abstratos, que tendem a produzir uma prestação judicial mais isonômica e racional.

2) A morosidade pública pode se tornar um estímulo à judicialização, criando-se uma nova indústria entre médicos, laboratórios e advogados?

A prestação inadequada de qualquer serviço é sempre um estímulo à judicialização. Não é diferente com a saúde. Mas existe, aqui, um fator adicional. A demanda judicial oferece a chance de as pessoas serem ouvidas pelo Estado. Atualmente, vive-se um claro descolamento entre o processo político e o povo. Se as demandas populares não conseguem fluir pelos canais da política, elas encontram caminho livre pelo Judiciário.

3) Na sua opinião, qual foi a importância da Audiência Pública do STF para o futuro da judicialização da saúde?

As audiências públicas são instrumentos de grande valia para o Poder Judiciário, que tem ocupado um espaço cada vez mais relevante no cenário político e social. Elas inserem os tribunais – e o STF em especial – no contexto da discussão democrática, o que aumenta a legitimidade das suas decisões, especialmente em temas mais polêmicos. No caso da saúde, existe uma complexidade técnica considerável envolvida, além de uma grande dificuldade política e até moral para delimitar o que a população deve poder exigir do Poder Público. A escolha por incluir ou não determinado procedimento ou medicamento nas listas do SUS não pode ser aleatória. Assim como a intervenção judicial nesses arranjos não pode ser inconseqüente, desprezando as limitações reais do orçamento. Nesse sentido, tenho certeza de que a audiência pública contribuiu para que o STF possa produzir decisões mais consistentes nesse terreno tão difícil.

4) O sr. acredita que a judicialização da saúde interfere de fato nas políticas públicas de saúde ou seria apenas uma litigância por medicamentos?

Tenho certeza de que interfere. Existem milhares de ações sobre o tema em tramitação no Brasil. O resultado disso é que os recursos que eram destinados a custear todo o sistema acabam tendo de ser realocados para cumprir decisões específicas. Sem contar as decisões extravagantes que determinam o custeio de tratamentos no exterior ou mesmo de tratamentos experimentais. Tudo isso gera gastos imprevisíveis e sobreposição de esforços, inclusive entre entes federativos diversos. Além disso, há um risco potencial para a igualdade. Afinal é impossível que o sistema financie tratamentos no exterior para todos. O resultado é a desorganização das políticas públicas, que deveriam ser voltadas à universalização das prestações de saúde em patamar adequado.

5) Como o sr. vê a atuação da Defensoria Pública da União, que tem encarado questões mais coletivas, como foi no caso da gripe H1N1?

A Defensoria Pública desempenha um papel essencial ao garantir o acesso à justiça daqueles que não teriam condições de chegar ao Judiciário por seus próprios meios. Ela é uma ponte importante para que uma série de demandas encontre solução. E me parece que a melhor forma de equacionar esses problemas – que muitas vezes tendem a se repetir – é por meio das ações coletivas. Por isso, dois grandes passos foram dados quando começou a se organizar a Defensoria Pública da União, em 2001, e quando se autorizou a Defensoria a propor ações civis públicas, em 2007.

6) Qual é o papel do gestor público no processo de judicialização da saúde?

O gestor público é o responsável por evitar a judicialização e, ao mesmo tempo, por lidar com ela. Cabe a ele oferecer os serviços públicos e, nesse sentido, o resultado do seu trabalho gerará mais ou menos demandas judiciais conforme seja pior ou melhor. Por outro lado, quando a judicialização é um fato, o gestor público deve tentar conciliar as decisões específicas com a condução do sistema como um todo, evitando ou reduzindo irracionalidades.

7) Alguns especialistas afirmam que muitos juízes não têm informação suficiente para decidir sobre as questões dos medicamentos. Essa crítica procede?

A questão relacionada ao fornecimento de medicamentos envolve complexidades em dois sentidos. Primeiro, há os termos, as opções e as refe