Mais liberdade

OPINIÃO
Sérgio Côrtes*

É louvável e oportuna a iniciativa da autora Glória Perez de inserir a questão do tratamento de pacientes com doenças mentais na novela “Caminho das Índias”. Louvável por tratar-se de tema ainda obscuro e cercado de preconceitos por todos os lados. Oportuno por levar o assunto ao debate no momento em que se discutem políticas de desinstitucionalização do modelo de tratamento.

A política estadual de saúde mental segue as diretrizes da política nacional para o setor, tendo como bússola o movimento conhecido como Reforma Psiquiátrica. Trata-se de uma proposta de reorientação do modelo assistencial para os portadores de transtorno mental, instituída em abril de 2001 através da lei federal nº 10.216.

Foramcriadas linhas de financiamento e de incentivo para a implantação dos dispositivos extra-hospitalares de assistência em saúde mental. Os recursos gastos estão agora distribuídos entre as várias ofertas de tratamento e não só mais na internação. Com as novas tecnologias, não há justificativa para o tratamento ser centrado na internação em hospitais especializados e ter o isolamento social e o familiar associados ao uso demedicamentos como eixo orientador.

Na década de 70 houve intensa contratação de leitos psiquiátricos privados em todo o país, especialmente no Estado do Rio. Ainda hoje, o maior parque manicomial proporcional do país, com 6.686 leitos, está aqui. O cenário contribuiu com a crença de que a internação permanente ainda é necessária. Ainda há pessoas que estão há mais de 10 anos internadas nessas instituições, cujo único delito é ser portador de doença mental.

O sistema carcerário do Manicômio Judiciário já propõe mudanças e possíveis correções em seu sistema de avaliação e altas. Portanto, é natural que os profissionais de saúde mental não mais apoiem o isolamento e a reclusão dos pacientes em crise. Existe a opção pelas residências terapêuticas. Experiências desenvolvidas em alguns municípios mostram que se trata de alternativa eficaz para a ressocialização da clientela de longa permanência, efetivo que ocupa metade dos leitos psiquiátricos do Rio.

Sinal de que há outros caminhos que não a hospitalização pura e simples.

O que se observa nestes quase 30 anos da Reforma Psiquiátrica é uma luta árdua dos profissionais de saúde, incluindo psiquiatras e gestores, para garantir os princípios que foram incorporados ao SUS: acesso amplo, geral e irrestrito ao tratamento, tanto para portadores de sofrimento psíquico, quanto para casos de intoxicações exógenas por substâncias psicoativas.

Entendemos que o caminho para a substituição do modelo seja a formação de uma rede de dispositivos de cuidado ao portador de transtorno mental e o estabelecimento de parcerias que possibilitem a criação de uma rede territorial que não se limite aos equipamentos sanitários.

Não se trata de negar ou diminuir a dificuldade e a gravidade que os transtornos mentais podem trazer a portadores e familiares, mas aprender a lidar com a doença e suas manifestações, trazendo o doente para a condição de convívio no mais curto período. Esse é o desafio que todos nós, envolvidos com a gestão e como tratamento dos portadores da patologia, temos que enfrentar.

*Sérgio Côrtes é secretário deSaúde e Defesa Civil do Estado do Rio.

Fonte: O Globo, 15/6/09