Moderno é envelhecer com dignidade
Crédito: Nelson Perez/Valor Econômico
Crédito: Nelson Perez/Valor Econômico

Sonia Fleury contesta texto publicado por Fabio Giambiagi, do jornal O Globo, que defende nova rodada de supressão de direitos na Seguridade Social. Para a autora, tais propostas representam  “uma visão atualizada de um liberalismo envelhecido, porque eivado de falácias”.

A primeira delas é que os benefícios de proteção social são vinculados a contribuições pretéritas. A segunda é que os trabalhadores informais não contribuem com contribuições sociais. A terceira é que este argumento visa defender uma sociedade justa.

A Constituição de 1988 inovou em relação a todas as anteriores ao desvincular os direitos sociais da condição de emprego formal, com a introdução de um capítulo sobre a Ordem Social com o mesmo estatuto da Ordem Econômica. Desta forma, os direitos sociais deixaram de ser identificados como direitos trabalhistas, e passaram à condição de direitos da cidadania, no marco da universalidade dos direitos humanos.

Ao afirmar que a ordem social tem como base o primado do trabalho – e não do emprego e da contribuição previdenciária – tendo como objetivos o bem-estar e a justiça sociais (Art. 193) da Seguridade Social, foram definidos os princípios filosóficos, éticos e morais que norteiam a proteção social em uma sociedade democrática, com uma comunidade inclusiva e expansiva de cidadãos. O direito universal à proteção social só poderia ser efetivado se o financiamento da Seguridade Social fosse assumido como um dever de toda a sociedade, por meio de contribuições diretas ou indiretas (Art. 194), rompendo a exigência de uma contribuição pretérita e suficiente para assegurar o gozo do benefício social.

O modelo do Seguro Social, baseado no vínculo entre a contribuição sobre a folha salarial e os benefícios, predominou nos países latino-americanos até a década de 1980, caracterizando-se pelo elevado grau de exclusão social e estratificação dos benefícios, contribuindo assim para que a desigualdade, a pobreza e a injustiça social se tornassem banalizadas entre nós.

Durante a Assembleia Nacional Constituinte, como assessora do relator da Ordem Social, Senador Almir Gabriel, participei ativamente dos debates que levaram à construção da Seguridade Social. Apesar das dificuldades de uma economia emergente, é conhecido que a adoção deste modelo produziu as sociedades com menor iniquidade no mundo, porque assumiram a redistribuição como uma atribuição das políticas públicas para minimizar as desigualdades produzidas pelo mercado. A inovação brasileira foi criar um modelo que além de universal fosse também descentralizado e participativo, com inúmeros canais participação social, como novo modelo de governança compartilhada.

Já sociedades ricas como os Estados Unidos, que adotaram como princípio de justiça o atrelamento dos benefícios às contribuições sobre o trabalho formal, hoje amargam estatísticas assustadoras de subdesenvolvimento social e exclusão, mesmo sem conseguir reduzir os gastos crescentes com serviços como os de saúde.

Ao estabelecer como objetivos da Seguridade Social a universalidade na cobertura, a uniformidade e equivalência dos benefícios para populações urbanas e rurais; a equidade na participação do custeio, a diversidade da base de financiamento e a gestão democrática, o texto constitucional não deixou brechas para divagações. Uma sociedade justa é aquela que inclui seus cidadãos e se responsabilizada pelo custeio daquilo que foi pactuado como sendo o mínimo vital. Ou será que o salário mínimo agora foi elevado à categoria de máximo benefício social, para efeitos de redução dos benefícios dos mais pobres?

Pobres que contribuíram com seu trabalho informal para a produção de riquezas, que contribuíram com a compra de mercadorias em cujo preço estão embutidas as contribuições do empregador sobre a folha de salário e todas as demais contribuições sociais pagas pelas empresas.

O Supremo Tribunal Federal, ao se pronunciar favoravelmente à manutenção do pagamento de contribuições pelos servidores aposentados, criou jurisprudência ao julgar que estas contribuições não visam a um benefício individual, para o qual já houve contribuições anteriores, apoiando-se no texto constitucional que estabelece que seja esse um dever de toda a sociedade. A contribuição, direta ou indireta, visa manter o nível de bem-estar social expresso constitucionalmente como sendo o valor do salário mínimo para qualquer benefício social. Só assim poderemos fazer justiça, permitindo que nossos idosos envelheçam com dignidade e, de quebra, fomentar a economia, já que a existência destes benefícios tem sido apontada por estudiosos do IPEA como a segunda causa, depois do crescimento do emprego, da redução da pobreza no país.

Fonte: Plataforma Política Social