Mulheres saúdam vitória do Estado laico e da cidadania
Site Viomundo – 12/04/2012
por Conceição Lemes
O Supremo Tribunal Federal (STF) prossegue nesta quinta-feira 12, o julgamento para decidir se a mulher grávida de feto anencéfalo (sem cérebro) pode interromper a gravidez se o desejar.
Seis ministros já votaram. Rosa Weber, Joaquim Barbosa, Luiz Fux e Cármen Lúcia acompanharam o voto do relator, o ministro Marco Aurélio Mello, que concluiu a favor da descriminalização do aborto nos casos de anencefalia. Apenas Ricardo Lewandowski votou contra.
“O anencéfalo jamais se tornará uma pessoa. O fato de respirar e ter batimento cardíaco não altera isso”, observou Marco Aurélio Mello.” Ao Estado não é dado (o direito de) se intrometer. Ao Estado cabe o dever de informar e prestar apoio médico e psicológico antes e depois da decisão (da mulher).”
“Numa democracia, não é legítimo excluir qualquer ator da arena de decisão. Contudo, para se tornar aceitáveis juridicamente, os argumentos provenientes dos grupos religiosos devem ser traduzidos em termos de razões públicas. Os argumentos devem ser impostos em termos cuja adesão independem dessa ou daquela crença”, enfatizou em outro trecho da sua manifestação. “Ao Estado brasileiro é terminantemente vedado promover qualquer religião.”
Faltam votar Ayres Brito e Celso de Mello, que anteriormente se manifestaram a favor. Também Gilmar Mendes e Cezar Peluso, que nunca opinaram sobre o tema. O ministro Dias Toffoli se declarou impedido, porque, quando era advogado-geral da União, se manifestou publicamente a favor da liberação.
A expectativa é que o STF libere hoje o aborto de fetos sem cérebro. Por isso, pedimos a algumas mulheres que tiveram participação ativa nessa batalha de muitos anos que avaliassem o resultado.
Beatriz Galli, advogada, integrante das comissões de Bioética e Biodireito da OAB-RJ e assessora de políticas para a América Latina do Ipas: “Estamos vivendo um momento histórico. Vitória para a cidadania e os direitos reprodutivos das mulheres brasileiras. Finalmente, o Supremo colocará fim à insegurança jurídica que abrange o tema até hoje no Brasil, declarando o direito constitucional das mulheres de optar por continuar ou interromper a gravidez nestas condições, com base na sua autonomia, dignidade, liberdade, saúde física e mental. O Brasil, assim, honrará compromissos e obrigações internacionais decorrentes da ratificação dos principais tratados internacionais de direitos humanos”.
Fátima Oliveira, médica,membro do Conselho Diretor da Comissão de Cidadania e Reprodução (CCR) e da Rede de Saúde das Mulheres Latino-americanas e do Caribe (RSMLAC): “Do meu ponto de vista, da janela de onde espio e assunto o mundo, uma sociedade democrática deve aprender a referendar a alteridade como um valor. Os votos do STF a favor da antecipação terapêutica do parto em casos de anencefalia colocam em cena dois temas valiosos para quem ama a liberdade: a ampliação da democracia e a consolidação do Estado laico. Eles nos mostram o caminho do aprendizado do respeito ao direito de decidir das mulheres quando não desejam levar adiante uma gravidez de feto inviável, ao mesmo tempo em que também não faz juízo de valor sobre as mulheres que, por questões de fórum íntimo, pensam de modo diferente”.
Gilda Cabral, Cfemea: “Ao reconhecer o direito de a mulher interromper uma gravidez de anencéfalo, o STF reafirma a laicidade do Estado. Saem ganhando a democracia e o povo brasileiro. Estão de parabéns os Ministros e as Ministras que votaram pela Justiça e pela Vida das Mulheres”.
Jandira Queiroz, ativista feminista: “Parabéns aos ministros do STF a favor da laicidade do Estado e contra o sofrimento desnecessário das mulheres”
Magaly Pazello, doutoranda da Escola de Serviço Social/UFRJ e pesquisadora do EMERGE/UFF: “Como bem observaram os ministros e ministras do STF, é necessário não apenas reconhecer a verdadeira via crucis que as mulheres enfrentam quando se vêem gestando um feto anencéfalo, mas também compreender a tragédia que isso pode significar na vida dessas mulheres. A negação de seu sofrimento e a imposição da gravidez compulsória representam, de fato, um regime de tortura imposto pelo Estado e isso é inadmissível. Os votos proferidos ontem revelam a complexidade do tema, mas também o atraso em que o Brasil se encontra na garantia dos direitos humanos das mulheres no tocante à sua autonomia reprodutiva. Por isso, é necessário corrigir essa situação devolvendo às mulheres a devida segurança jurídica para que possam decidir, elas mesmas, conforme suas convicções e crenças. Parabéns ao CNTS [Conselho Nacional dos Trabalhadores em Saúde] e ao Anis [Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero] por sustentarem essa ação até aqui!
Margareth Arilha, presidente da Comissão de Cidadania e Reprodução (CCR), pesquisadora do Núcleo de Estudos em População da Unicamp: “Um parto vitorioso, nascimento de uma posição saudável cerzida com a contribuição de um coletivo de mulheres e de homens, pessoas que, desde diferentes lugares e posições, acreditaram e fizeram acontecer, iluminando um caminho difícil, ou seja, o de diminuir sofrimentos e injustiças, procurando construir direitos e bem-estar especialmente das mulheres.”
Sonia Corrêa, pesquisadora associada da Abia (Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids) e co-coordenadora do Observatório de Sexualidade e Política: “Os debates de ontem no STF sinalizam para a eliminação da injustiça e sofrimento no mundo da vida. Reconhecidos os argumentos da ADPF 54, milhares de mulheres brasileiras poderão decidir sobre suas vidas sem o constrangimento da lei. É o anúncio de uma vitória de Antígona clamando às portas da cidade. No plano das normas que regulam a vida social –num mundo em que o poder e influência do dogmatismo religioso se espraiam e penetram, incessantemente, nas instituições públicas – foi um momento de re-fundação dos princípios da laicidade, movimento necessário nas condições contemporâneas. A frase do professor Luis Barroso é o seu signo: O estado não engravida”.