Na Justiça, projetos que inovaram e ficaram
O Globo – 28/03/2012
Das 36 práticas que o Innovare premiou desde 2004, só quatro não foram adiante, mostra estudo de professora da USP
O artigo 88 do Estatuto da Criança e do Adolescente funcionava apenas no papel. O trecho da lei que obriga a integração de órgãos de atendimento a menores infratores num mesmo espaço físico nunca fora cumprido até 2000. A iniciativa do juiz João Batista Galhardo Júnior, no entanto, criou, em São Carlos (SP), naquele ano, o Núcleo de Atendimento Integrado (NAI). O projeto garantiu a execução da legislação e a ressocialização dos jovens de forma mais eficaz.
Hoje, o NAI já foi adotado em 80 cidades; até 2014, será implantado em todas as capitais do país pela Secretaria Nacional de Direitos Humanos. Essa experiência é uma das 36 práticas vencedoras do Prêmio Innovare desde a sua primeira edição, em 2004. Em estudo inédito, a cientista política Maria Tereza Sadek revela justamente a consolidação da premiação como motivadora de práticas para modernizar e combater vícios do Judiciário.
– A conclusão foi que o Innovare faz a diferença na esfera da Justiça e na disseminação de políticas públicas. O prêmio é mais que um reconhecimento – diz Maria Tereza. – Das 36 iniciativas que o Innovare premiou, só quatro não foram adiante.
Por seis meses, Maria Tereza, professora de Ciências Políticas da USP, entrevistou os 36 premiados. Representantes de 15 unidades da Federação foram reconhecidos como inovadores.
– O objetivo foi fazer uma avaliação deste prêmio. Eu queria saber se ele estava realmente cumprindo com o que propôs inicialmente – explica.
Antes da criação do NAI, jovens que cometeram crimes não eram atendidos pelos órgãos responsáveis de forma conjunta. À época, o delegado fazia o registro de ocorrência, o documento era enviado ao promotor, que o repassava ao juiz para ele determinar a medida socioeducativa a ser executada. O processo demorava, em média, oito meses .
– A integração fez com que as famílias desses jovens recebessem também atendimento especial – conta Galhardo Júnior, atualmente juiz assessor da Presidência do Tribunal de Justiça de São Paulo e vencedor do Innovare na edição 2007.
O prêmio, que recebeu 1.961 inscrições em toda a sua história, é uma realização do Instituto Innovare; Secretaria de Reforma do Judiciário, do Ministério da Justiça; Associação dos Magistrados Brasileiros; Associação Nacional dos Membros do Ministério Público; Associação dos Defensores Públicos; Associação dos Juízes Federais do Brasil; Ordem dos Advogados do Brasil; e Associação Nacional dos Procuradores da República; com apoio das Organizações Globo. A iniciativa contempla práticas de juízes, defensores públicos e promotores. Em nove anos, reconheceu a importância de projetos sobre adoção e reintegração à família, cidadania, meio ambiente, modernização do Judiciário e crescimento urbano, entre outras áreas.
Em 2009, a defensora pública da União Luciene Strada também conquistou o Innovare com o projeto de apoio a mulheres vítimas de escalpelamento – perda do couro cabeludo quando ele é arrancado por acidente ou violência, principalmente por motores de embarcações. O projeto teve início no Pará.
Além do trabalho de conscientização com os donos dos barcos, a iniciativa fez com que o Ministério da Saúde incluísse esse tipo de cirurgia plástica no SUS. O projeto de Luciene motivou ainda a realização de mutirões com operações de graça no Pará, no Amapá e no Amazonas.
– As vítimas são filhas ou parentes dos donos dos barcos, e temiam que, se contassem o que houve, o pai seria preso. Comecei com 61 casos. Hoje, temos 224 só no Pará – afirma Luciene no relatório de Maria Tereza.
Outros projetos também mereceram destaques no Innovare, entre eles o da integração entre a Justiça Eleitoral e a sociedade civil, premiado em 2004. Iniciada no Maranhão pelo juiz Marlon Reis, a prática consistia na divulgação da legislação eleitoral à população para descobrir casos de políticos envolvidos em compra de votos e uso da máquina administrativa na campanha. A partir deste bem-sucedido exemplo, surgiu a Lei da Ficha Limpa, projeto de lei de iniciativa popular com cerca de 1,3 milhão de assinaturas. Aprovado pelo Congresso em 2010, a lei vale este ano, barrando políticos condenados em 2 instância por órgão colegiado, com mandatos cassados ou que renunciaram para evitar a cassação .