Não dá mais pra ignorar agressão no parto!

Blog Saúde com Dilma – 12/03/2012

Lola Aronovich: “E como é que fica quando são esses profissionais [de saúde] os agressores?”

Por Lola Aronovich, no Blog Escreva Lola, Escreva. Por sugestão de Thais Machado Dias.

A Lei 10.778 de 24/11/2003 orienta que se notifique compulsoriamente, em todo o território nacional, casos deviolência contra a mulher que for atendida em serviços de saúde públicos e privados. Ou seja: o profissional da saúde que atender uma mulher com sinais de violência é obrigado a notificar. Juntamente com essa lei, temos a Lei Maria da Penha, que contempla a violência doméstica e familiar contra a mulher.

Mas temos um grande problema aí.

A Lei 10.778 obriga os profissionais da saúde a notificar casos de violência contra a mulher, quando atenderem mulheres agredidas.

E como é que fica quando são esses profissionais os agressores?

Como fica quando mulheres são agredidas e desrespeitadas dentro de instituições de saúde e, especificamente, no momento de seus partos? Como fica no caso de violência obstétrica?

Muita gente não sabe que isso existe. Outros, consideram que práticas abusivas observadas em situações de parto e nascimento não constituem violência, porque são de praxe. Confundem o que é comum com o que é normal. Outros, ainda, fecham os olhos para a situação, frente à complexidade do problema.

Não dá mais pra fechar os olhos a isso quando centenas de mulheres são desrespeitadas todos os dias em seus partos. E esse é um caminho sem volta. Uma vez que se vê, não dá mais pra fingir que não acontece.

Quando dizemos que a violência obstétrica é uma realidade, estamos partindo de dados confiáveis, científicos, obtidos por meio de pesquisas sérias. O padrão que se vê na assistência ao parto no Brasil é violento. Essa é a realidade. Quem foge disso é exceção. É violência: a ofensa verbal, o descaso, o tratamento rude, as piadinhas, os gritos, a proibição da manifestação dasemoções, as violências físicas de todos os tipos, a obrigatoriedade de uma determinada posição, os apelidinhos, a contenção dos movimentos – como divulgado com cada vez mais frequência entre as mulheres detentas, que precisam parir algemadas -, a humilhação intencional e todo tipo de atitude torpe que, sim, acontece. E com muita frequência. Aqui existe uma página sobre violência no parto, com alguns artigos já publicados que mostram um pouco dessa realidade. O prof. Dr. Gustavo Venturi coordenou a pesquisa Mulheres Brasileiras e Gênero nos Espaços Público e Privado, que mostrou que 1 a cada 4 mulheres brasileiras diz ter vivido situações de violência em seu parto. Pense que, apenas no período de 2008 a 2010, aconteceram quase 6 milhões de partos, apenas nas instituições públicas de saúde, de acordo com o DATASUS. Calcule, então, quantas mulheres podem ter sido maltratadas e desrespeitadas.

Não dá mais pra dizer que isso não ocorre.

Não dá mais pra fingir que não se vê.

É importante que o governo disponibilize um canal oficial de denúncia. É importante que, nesse cenário político favorável à problematização das condições de vida feminina, com uma Secretaria de Políticas para as Mulheres que promete ser atuante, a sociedade civil se organize e mostre sua intenção. É fundamental que cobremos legislação sobre isso, que se possa punir legalmente o agressor.

Se nós comemoramos o Dia Internacional da Mulher, nós também estamos dizendo que queremos que as mulheres tenham melhores condições de vida. Que possam ser respeitadas e valorizadas. Sempre. Em quaisquer situações.

Muitas mulheres precisam ser ouvidas e suas histórias precisam ser conhecidas.

Nós queremos sensibilizar a comunidade para a triste realidade da violência obstétrica, mostrar que está acontecendo muito mais do que se imagina, mobilizar pessoas.

A violência no parto deixa marcas profundas, das quais muitas mulheres não conseguem se recuperar. Mexe com a forma como a mulher se vê no mundo, com sua auto-estima e auto-confiança.

Não podemos aceitar flores e bombons enquanto nos mandam calar a boca e nos ofendem. Uma mulher que passa por isso é uma mulher mudada para sempre.

Então nós, dos blogs Cientista Que Virou Mãe, Parto no Brasil eMamíferas, estamos divulgando, com a ajuda e apoio de dezenas de pessoas, o Teste da Violência Obstétrica, um levantamento informal que tem como objetivo levantar dados sobre o tema, mobilizar as pessoas, problematizar a questão e levar esses resultados a uma instância que ajude a incluir, nos serviços oficiais de denúncia, a violência obstétrica como forma de violência contra a mulher.

Para participar, é simples. É só preencher o questionárioe, ao final, clicar em SUBMIT. Não é necessária a identificação.

Ao final, fica o convite à denúncia, no e-mail disponibilizado pela Parto do Princípio, e o convite à participação em uma pesquisa, essa sim formal e de caráter científico, que visa conhecer como a mulher que foi maltratada e violentada em seu parto vê a ocorrência disso, o que ela sentiu, quais foram as consequências dessas terríveis práticas à sua vida. Não é uma pesquisa sobre números. É uma pesquisa sobre sentimentos, valores, emoções, representações, simbolismos. Faz parte do meu trabalho de doutorado em Saúde Coletiva.

Agradeço às dezenas de blogueir@s que se envolveram nessa ação. Agradeço às dezenas de pessoas que se disponibilizaram a ajudar ainda que não tenham blogs. Agradeço às companheiras Ana Carolina Franzon e Fernanda Andrade Café pela mobilização comprometida e envolvimento verdadeiro nessa iniciativa. E agradeço especialmente a Lola por, mais uma vez, apoiar a causa do combate à violência obstétrica.

Por favor, façam o teste.