Acesse Nota Técnica do Alerta Covid-19 sobre ‘Mortes Evitáveis por Covid-19 no Brasil’

Esta Nota Técnica do Alerta Covid-19 contém levantamentos de informações documentais e dados oficiais que convergem para uma apreciação de evidências sobre mortes evitáveis por Covid-19 no Brasil. Autoria: Guilherme Loureiro Werneck (Instituto de Medicina Social da UERJ e Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da UFRJ), Ligia Bahia (Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da UFRJ), Jéssica Pronestino de Lima Moreira (Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da UFRJ) e Mário Scheffer (Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da USP). Publicada em Junho de 2021.

MORTES EVITÁVEIS POR COVID-19 NO BRASIL – INTRODUÇÃO

O Brasil se destacou negativamente no contexto mundial das respostas à pandemia de Covid-19.

Desde o primeiro semestre de 2020, as taxas de transmissão se mantiveram altas e os números de casos e de óbitos excepcionalmente elevados.

A falta de controle da pandemia no território nacional se configurou em padrão constante, levando ao aumento expressivo da transmissão e das mortes em 2021.

Com a queda do número de óbitos nos Estados Unidos, o país poderá vir a ocupar o tenebroso primeiro lugar no ranking de perdas de vidas durante a pandemia.¹

A incapacidade de conter o alastramento da infecção rompeu com as boas tradições de vigilância epidemiológica e medidas preventivas e de cuidados aos pacientes desenvolvidas nacionalmente ao longo de décadas.

As decisões sobre o controle de portos, aeroportos e fronteiras, funcionamento de atividades econômicas e apoio financeiro a indivíduos e empresas foram incorretas e ambíguas.

Faltaram equipamentos de proteção individual para profissionais de saúde, oxímetros e cilindros de oxigênio em unidades de saúde, assim como testes para diagnóstico e rastreamento de casos e contatos.

Com a evolução da pandemia ficaram evidentes as lacunas na oferta de leitos e ventiladores e, ainda que menos divulgada, a carência de profissionais de saúde especializados.

Mais de um ano e três meses depois do registro do primeiro caso de Covid-19 no país, as falhas no enfrentamento da pandemia não foram revistas ou corrigidas enquanto seguimos com escassez de vacinas.

Ao invés de recomendações para a ampliação de medidas de proteção populacional e individual, conforme preconizado pela comunidade científica e agências internacionais, prevaleceram ataques à ciência e às experiências históricas de enfrentamento de epidemias.

A legislação promulgada em fevereiro de 2020 autorizou o governo a mobilizar recursos existentes e ampliou o orçamento público. No entanto, leitos privados e a readequação da capacidade instalada para a produção de insumos, tais como testes e máscaras de maior qualidade e menor custo, não foram devidamente organizados.

A execução do orçamento do Ministério da Saúde para a Covid-19 em 2020 ficou em torno de 60%, apesar da falta de insumos estratégicos, inclusive oxigênio e medicamentos para intubação. Não foram concedidos incentivos suficientes para a pesquisa, desenvolvimento e produção de testes para diagnóstico e rastreamento de casos e contatos nem para a aquisição ou produção e distribuição de máscaras de boa qualidade. As oportunidades para aquisição de vacinas também foram menosprezadas.

Estratégias de bloqueio da disseminação do novo coronavírus (SARS-CoV-2) se tornaram indisponíveis pela conjugação de quatro ordens de fatores:

  1. a minimização da magnitude da pandemia e descrédito nas orientações científicas;
  2. adoção de um programa oficial para o “tratamento precoce”, enganoso e sem fundamentação científica;
  3. políticas insuficientes e intermitentes de auxílio emergencial e para a expansão do sistema de saúde;
  4. descontinuidades administrativas no Ministério da Saúde e inação de comitês de crise.

Ao recusar o enfrentamento da Covid-19 em nome da “saúde” da economia, o governo federal se tornou cúmplice de mortes que poderiam ter sido evitadas e não logrou reverter a recessão econômica. Essa escolha política nos conduziu para uma situação na qual não dispomos de políticas efetivas contra a Covid-19, nem obtivemos melhorias nas taxas de emprego e renda.

O governo falhou. A sociedade baseada no bem comum e no mercado que cria e distribui riquezas exige a organização de arranjos legais e institucionais à altura da tarefa de prover as necessidades básicas em tempos de crise.

Durante a pandemia houve um rompimento das acepções fundamentais sobre a saúde da população e o imperativo moral da defesa da vida foi violado.

Em maio de 2020, um movimento de entidades da sociedade civil denominado Alerta Covid-19² denunciou omissões e ações incorretas e anunciou seu objetivo de sistematizar informações para subsidiar ações de responsabilização e reparação dos danos à sociedade brasileira.

Esta Nota Técnica do Alerta Covid-19 sintetiza uma compreensão sobre a pandemia.

Estamos aprendendo todos os dias. Ainda há perguntas sem respostas e ao longo dos próximos anos será produzido muito conhecimento realmente novo. Há, por exemplo, dúvidas sobre o real impacto da Covid-19 na mortalidade, já que mais sistemas e órgãos são afetados pela doença do que o inicialmente identificado, com variações segundo diferentes grupos etários. Há indefinição, também, de qual será a duração da imunidade pós-infecção ou pós-vacinação. Caminhamos, ainda, com muitas incertezas.

O velho costume de querer lidar com riscos, com parâmetros que podem ser estimados facilmente, está abalado pelas incertezas. Nossa função é nos esforçarmos para nos orientar pela melhor ciência possível. E a melhor ciência possível, no caso da Covid-19, exige lidar com as desigualdades na saúde, porque é exatamente assim que essa pandemia está se desenrolando.

Não é mais possível dizer para as pessoas lavarem as mãos sem que exista saneamento adequado ou para não se aglomerarem em transportes públicos lotados. Não são os comportamentos individuais que explicam as desigualdades estruturais e a pandemia só as escancara.

Referências

1 Em 30 de abril de 2020, o Brasil tinha 6.006 mortes, o Reino Unido 26.754 e os EUA 66.231. Um ano depois, em 30 de abril de 2021, o Brasil acumulava 403.781 óbitos e se tornou o país que liderava, ao lado da Índia, os números de casos fatais de Covid-19 no mundo.

2 https://idec.org.br/alerta-mortes-coronavirus