NYT: governo ‘reinventa’ o Rio para grandes eventos e expõe desigualdade social

Jornal do Brasil

O jornal americano The New York Times (NYT) publicou nesta terça (26/11) uma reportagem especial destacando as diversidades sociais do Rio de Janeiro, que estão a cada dia mais evidentes por causa de decisões governamentais “desorientadas”, na tentativa de “reinventar um Rio de Janeiro antes da Copa do Mundo e das Olimpíadas”. O correspondente do NYT, Michael Kimmelman, fez um “tour crítico” pela cidade, encontrando enormes disparidades entre os investimentos recentes do prefeito do Rio, Eduardo Paes – numa clara tentativa de competir esteticamente com as cidades mais luxuosas do mundo – e as reais necessidades de infraestrutura e mobilidade urbana da cidade. Ele foi buscar um sentido para a questão em uma favela e ouviu de um líder comunitário do Morro da Providência que as diferenças acontecem porque os governantes do Rio “nunca ouvem a população”.

A reportagem do NYT percorreu os quatro cantos do Rio de Janeiro para traçar um Raio X fiel das mudanças que a cidade vem sofrendo às vésperas de grandes eventos internacionais. As peculiariedades de cada região, das mais pobres às mais suntuosas, ganham importância na matéria, para ilustrar as desigualdades com as quais a população carioca está convivendo no seu cotidiano. Esse cenário seria uma prova dos esforços das autoridades regionais para “reinventar” uma cidade que era do terceiro mundo, com uma economia de primeiro mundo. A matéria cita a implosão do Elevado da Perimetral como parte integrante desse mega projeto de reformulação.

O NYT considera que o prefeito Eduardo Paes tem um discurso coerente para as mudanças urbanas, mas os protestos populares mostraram problemas “intratáveis nesta cidade, onde a diferença de classe e a corrupção são quase tão imóveis quanto as montanhas. É uma cidade dividida”, destaca o texto.

Michael Kimmelman justifica que esta “cidade dividida” é aparente no gigantesco plano de revitalização do “Porto do prefeito”, que prevê a transformação de uma área industrial “na escala de um reluzente Lower Manhattan, cheia de arranha-céus para um novo Rio global”. Nas linhas seguintes, o texto comenta que o centro histórico da cidade é composto por uma rica cultura com raízes portuguesas e afro-brasileiras, incluindo bairros como o Morro da Conceição e Saúde, Gamboa e Santo Cristo, que são áreas pobres, decadentes, mas “com casas multicoloridas e ruas de paralelepípedos”.

O NYT salienta que não existe um plano governamental no sentido de avaliar e garantir a preservação das zonas urbanas históricas da cidade, para que elas não sejam sacrificadas “por um mar de torres de escritórios”. “Promessas recentes do prefeito para inserir 2.000 unidades de habitação pública são tardias e vagas, anunciadas para apaziguar detratores, enquanto não perturbam os investidores”, cita o jornal.

No olhar crítico do NYT, enquanto o prefeito promove a revitalização do porto, o Rio cresce de forma descontrolada na Zona Oeste, com rodovias, codomínios, shoppings e muito engarrafamentos na Barra da Tijuca, aos moldes de Dallas ou Fort Lauderdale. “No coração da Barra há um símbolo dos gastos e divisas das classes (…) um novo centro de artes, a Cidade da Música, projetado pelo arquiteto francês Christian de Portzamparc, em frente a um shopping gigante com uma réplica da Estátua da Liberdade na fachada. Um projeto iniciado na administração anterior, duas vezes acima do orçamento de US$ 250 milhões e que está abandonado no meio de uma estrada. O lugar tem provocado queixas de que ele está fora do eixo de contato com a cultura da cidade e as suas reais necessidades”, comenta a reportagem, que cita ainda a Vila Olímpica como exemplo de empreendimento que será valorizado com os grandes eventos, em detrimento de obras emergenciais.

A reportagem visitou os bairros do Méier e Madureira, dando destaque ao Madureira Park e Centro Cultural João Nogueira. “Mas ao lado destas renovações, outros projetos públicos não fazem sentido: o Minha Casa Minha Vida, que são novos blocos habitacionais sombrios, para a classe mais pobre”, cita o texto do NYT.

Em entrevista ao NYT, o fundador do Observatório das Favelas, Jailson de Souza e Silva, disse que a participação da população nos programas do governo “é a chave” para a solução das disparidades sociais nestes locais. O jornal ouviu também o líder comunitário do Morro da Providência, Roberto Marinho, que criticou as iniciativas do governo que são tomadas na comunidade sem a participação dos moradores. “Queremos um diálogo, uma conversa. (…) Eles nunca realmente nos ouve”, disse Marinho ao NYT.