O Brasil e a Agenda Global da Saúde
Em um multilateralismo fragilizado, Cebes promoveu debate sobre o que o Brasil pode (e deve) ocupar um espaço vazio no atual cenário político global. Texto de Fernanda Regina da Cunha.
A nova temporada do Cebes Debate iniciou no dia 22 e a pauta trouxe reflexões importantes para o momento. O convidado desta edição, que debateu o tema ‘O Brasil e a Agenda Global da Saúde’, foi o diretor do Centro de Relações Internacionais da Fiocruz (CRIS) e do Centro Colaborador em Diplomacia da Saúde Global e Cooperação Sul-Sul da OMS na Fiocruz, Paulo Buss. Como sempre, a condução do programa coube ao diretor do Cebes José Noronha.
O presidente do Cebes, Carlos Fidelis, abriu o debate falando sobre o avanço do neoliberalismo e da extrema-direita, com a concentração de renda e a intensificação de crises em nível global. “Por outro lado, no Brasil, com todo o problema que tivemos no governo anterior, tivemos uma vitória importante com a eleição Luiz Inácio Lula da Silva e a retomada de um protagonismo no cenário internacional, deixamos de ser párias como foi no governo passado”, lembrou.
Fidelis ainda levantou a possibilidade de o Brasil liderar um movimento pela melhoria da qualidade de vida, da redistribuição de renda, questão climática e conquista de melhores condições de vida. “Estamos num momento de assumir a presidência do G-20, do BRICS, vamos ser sede da COP 30. Em governos passados, na cooperação Sul-Sul, o Brasil já teve a saúde como uma esfera importante da sua diplomacia”.
Paulo Buss destacou a frase já conhecida “o Brasil está de volta”. Para ele, é um momento de retomada de diversos setores no campo da cooperação internacional, inclusive em relação à saúde. “Os países desenvolvidos parecem que esqueceram que tivemos uma pandemia e que todas as condições para ter uma segunda estão aí. Os países do G-7, por exemplo, estão se afastando do dinheiro para o desenvolvimento por conta da guerra, do gasto militar”.
Ele apontou a insanidade dos gastos com militares em todo o mundo, mesmo diante da emergência climática. “Em 2022 foi gasta a fábula de 2,44 trilhões de dólares em despesas militares, quando o próprio grupo da agenda 20-30 diz que precisaríamos de 500 bilhões para parar com a progressão bárbara do aquecimento global, da perda de biodiversidade e da poluição no mundo, salvando, portanto, a nossa casa comum que é o planeta”.
Para Buss, a pandemia de Covid-19 aprofundou uma crise múltipla e pré-existente oriunda do atual estágio do capitalismo, nesta fase ultra neoliberal e incompetência da governança global. “Estamos numa crise múltipla, política, social, econômica, ambiental, sanitária, e agregaria ética. É uma crise com essa multidimensionalidade”, apontou.
O sanitarista afirmou que o Brasil está fortemente atento às movimentações internacionais. “Vamos ficar de olho no G 20, na grande linha política e na questão da saúde”. Buss elencou uma série de eventos internacionais importantes, entre eles a primeira reunião do grupo de trabalho dos ministros da Saúde do G20, que acontecerá nos dias 8 e 9 de abril em Brasília (DF), com a participação da ministra Nísia Trindade. Neste evento serão apresentados quatro pontos de prioridade: preparação e resposta a emergências e reemergência de doenças; equidade em saúde (não apenas em produtos de inovação); saúde digital e clima e saúde. “O Brasil não pode aceitar o discursinho dos países desenvolvidos no G20, de que o papel da saúde na questão do clima é fazer com que o sistema de saúde emita menos gases do efeito estufa. A saúde tem que denunciar que a queima de combustíveis fósseis, a perda de biodiversidade, o desmatamento e o não replantio de florestas nativas no grande colar verde que forma as florestas do Brasil, Congo e Extremo Oriente que freiam a possibilidade de reduzir os efeitos das mudanças climáticas”.
A diretora do Cebes, Ana Maria Costa destacou a complexidade do contexto em nível mundial, com a gravidade de questões associadas às grandes corporações, as guerras “que nos adoecem cotidianamente”, ao fortalecimento de um capitalismo pós crise e suas repercussões na saúde. “Sabemos que dentro da concepção de saúde pensada a partir do processo de determinação social, acabamos tendo como resultado em um conjunto adensado de evidências que confirmam e reafirmam este processo”, apontou Ana. “Mas temos poucas mudanças em países com uma abordagem efetiva de projetos de governo que contemplem a saúde”.
Ana Maria questionou sobre como poderemos conferir força à sociedade civil e quais os grandes desafios para ampliar a democracia de maneira que a sociedade ganhe voz e presença no cenário político.
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