O Brasil perde Maria da Conceição Tavares
Posicionamento, influência e coragem. Estas são algumas das marcas que Maria da Conceição de Almeida Tavares, professora emérita de Economia do Instituto de Economia, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), deixou ao longo de sua trajetória.
A professora, que faleceu neste sábado (8), aos 94 anos, teve a vida marcada pela sua contribuição no pensamento crítico acerca do sistema econômico, o que ultrapassou as cadeiras acadêmicas e a tornou uma figura pública respeitada, com um legado que inclui a defesa incansável de uma economia voltada para o bem-estar social e a justiça econômica.
Figura ímpar na história econômica e acadêmica do Brasil, Maria da Conceição era luso-brasileira, e construiu uma trajetória marcada por uma profunda influência no pensamento econômico brasileiro e latino-americano, bem como por seu engajamento político e social.
Para a diretora do Cebes e amiga de Maria da Conceição, Ana Tereza Camargo, a herança da professora também tem relação direta com a abertura de caminhos para outras mulheres em um campo tradicionalmente dominado por homens. “Ser mulher num ambiente completamente masculino não é fácil. Sua atuação pioneira e sua dedicação à docência ajudaram a criar um ambiente mais inclusivo e encorajador para futuras gerações de mulheres, não apenas no campo da economia, mas de outros campos onde são necessários posicionamentos corajosos frente às injustiças sociais”.
Ao chegar ao Brasil em 1954, iniciou sua carreira acadêmica no campo da economia, onde rapidamente se destacou por sua inteligência brilhante e pela capacidade de análise crítica das questões econômicas contemporâneas. Uma intelectual que nunca se furtou ao debate político, o que fez com que sua imagem se tornasse conhecida por pessoas da atual geração, interessada em debater as mazelas do capitalismo na sociedade. Seu posicionamento firme, explicações práticas que demonstravam as hipocrisias e contradições do sistema se tornaram virais nas redes sociais e ajudaram na formação do pensamento crítico da nova geração.
Legado – Maria da Conceição Tavares foi e segue como uma intelectual necessária ao pensamento de esquerda e à luta por justiça social. Conhecida por seu trabalho na teoria do desenvolvimento econômico e sua crítica ao modelo de crescimento baseado na dependência externa. Sua obra “Da substituição de importações ao capitalismo financeiro” é um marco na literatura econômica brasileira, abordando as transformações do capitalismo e suas implicações para a economia do país.
Politicamente, Conceição Tavares sempre foi firme em suas convicções. Militante do Partido dos Trabalhadores (PT), serviu como deputada federal pelo Rio de Janeiro entre 1994 e 1998, defendendo políticas que priorizassem o desenvolvimento social e a redução das desigualdades, em oposição ao neoliberalismo dos anos 1990.
Uma das características mais marcantes de sua carreira é a paixão pela docência. Ao longo de décadas, ela formou e influenciou gerações de economistas, muitos dos quais se tornaram figuras importantes no cenário econômico e político do Brasil. Seu estilo de ensino, caracterizado por clareza, profundidade e rigor analítico, inspirou inúmeros estudantes a seguir a carreira acadêmica e lutar por um país mais justo.
Maria da Conceição de Almeida Tavares é lembrada não apenas como uma economista brilhante, mas como uma defensora incansável da justiça econômica. Seu legado continua a inspirar novas gerações de economistas e ativistas, reafirmando a importância da economia como ferramenta de transformação social.
Veja o depoimento do cebiano José Noronha sobre Maria da Conceição Tavares:
Maria Conceição Tavares acabou de atravessar o Grande Rio. Não partiu. Sua presença entre nós foi forte demais para que pudesse nos deixar. Veio de Portugal e ficou. Brasil sua paixão. Um Brasil de todos e para todos.
Nunca se conformou com seus colegas de profissão que proclamavam, e ainda proclamam, a economia como uma disciplina neutra e objetiva. Denunciava essa farsa acadêmica e politicamente. Toda Economia é Política! A economia que não considera social não é Economia. Tive o privilégio de conhecê-la nas lutas pela redemocratização do país na segunda metade dos anos 1970.
Acompanhei sua intensa participação na produção do histórico documento Esperança e Mudança do PMDB que inspirou, com Ulysses Guimarães, a transição para a Democracia na Nova República e a Constituição Cidadã de 1988. Para construirmos um Brasil altivo, soberano, democrático e justo. Combateu com vigor, infelizmente muitas vezes derrotada, a demolição de muitas das conquistas inscritas naquela Carta.
Acompanhei-a em várias de suas lutas. Para nós da área da Saúde, foi valiosa aliada na defesa da Seguridade Social e de um Sistema único, universal e equitativo de saúde. Sempre com a compreensão de que só poderemos ter melhores condições de saúde com um desenvolvimento acelerado, inclusivo, autônomo e vigoroso.
Até seus últimos momentos combateu o rentismo repugnante de nossas elites econômicas que tem sufocado nossa terra e nossa gente. Ela continua viva com seu vigor, sua audácia, seu destemor. Conceição permance entre nós.