O capital internacional não garante o direito à saúde
O Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes) acompanhou na última semana, com preocupação, audiência pública realizada pela Comissão de Assuntos Econômicos do Senado Federal para debater a participação de empresa e de capital estrangeiro na assistência à saúde, prevista no Projeto de Lei do Senado 259/2012.
A entidade entende que o PLS de autoria do Senador Flexa Ribeiro (PSDB-PA) propõe legitimar situação absolutamente danosa ao Sistema Único de Saúde (SUS), sob um falso argumento de que a incorporação do capital estrangeiro permitiria à sociedade maior acesso e qualidade de atenção à saúde.
Mais grave: o debate se apoia em argumentos equivocados como, por exemplo, a afirmação de que a presença do capital internacional é bem vinda porque fortalecerá a concorrência e, em consequência disso, melhorará a qualidade e atenção dadas aos usuários dos serviços privados, “aliviando” o setor publico da saúde.
O fato é que, se aprovado, o projeto significará mais um avanço dos interesses do capital e da tendência de mercantilização da saúde, o que remete a todos aqueles que lutam pela Reforma Sanitária e pelo direito à saúde refletir sobre as estratégias que possam ter algum impacto sobre o contexto atual, considerando que cada vez mais perdemos aliados no espaço do parlamento e do governo.
Segundo a presidenta do Cebes, Ana Maria Costa, o parlamento que negou a aprovação de mais recursos nacionais para a saúde hoje conta com expressiva parcela que vê com bons olhos a chegada do capital estrangeiro para o setor. Assim, na ausência de posições voltadas ao fortalecimento do SUS constitucional, a proposta de entrada de capital estrangeiro abre uma fenda na constituição que bem define por limitar esse tipo de situação e não sacrificar o sistema público, financiado com recursos públicos.
Para Ana Costa, o cenário e as posições nesse jogo estão explicitamente colocados: a questão da entrada de capital estrangeiro já não traduz mais jogos de intenção e hoje já assistimos à compra de operadoras de saúde nacionais por internacionais, por exemplo: “o setor do capital exibe suas forças no interior do governo e talvez reste a nós, movimentos sociais e entidades da Reforma Sanitária, pensarmos se já não é hora de uma grande mobilização nacional contra a presença de capital internacional na saúde e mais: pelo direito a saúde pública, universal, de qualidade e financiada com recursos públicos nacionais preservando os interesses públicos”.
Audiência Pública
O ex-ministro da saúde e senador Humberto Costa (PT/PE), que, junto ao Senador Vital do Rêgo (PMDB/PB), requereu a audiência pública que tratava do Projeto, acredita que a abertura para o capital estrangeiro sugerida p ode ser alternativa, desde que com uma série de condicionalidades.
Constatou Humberto Costa que, no campo das operadoras, já temos capital estrangeiro de peso, e afirmou: “temos que trabalhar com a preocupação de que, em esse recurso vindo, ele possa servir principalmente para investimentos, construção de novos hospitais, laboratórios e para melhorar a qualidade de atendimento a esses usuários”. Com o comentário desolador, o senador parceiro na defesa do SUS parece aliado aos interesses do projeto em questão.
Defendendo a possibilidade de crescimento e incorporação tecnológica a partir da entrada do capital estrangeiro, Costa argumentou ainda que é preciso que haja um rígido controle sobre a incorporação tecnológica: “nós imaginamos que a vinda de recursos externos em uma quantidade expressiva pode favorecer essa tendência de incorporar cada vez mais equipamentos, tratamentos sofisticados”. “Atendidas a essas condições, e estabelecendo outros condicionantes, poderemos permitir que o capital internacional possa entrar nesse ramo da prestação de assistência à saúde”, acredita Humberto Costa.
Para o Cebes, o posicionamento é preocupante, pois transparece indícios da expansão do setor privado para aquelas regiões onde o SUS deveria avançar e garantir cobertura às populações.
Segundo o representante do Conselho Federal de Medicina, Carlos Vital, também convidado para o debate, seria preciso avançar em regulações antes de pensar em simbioses: “em síntese, aqui, distante da cultura anglo-saxônica, a saúde é o maior contrato social do cidadão. A especulação da indústria e comercio é realidade. Entretanto, essa entrada de capital vai aumentar isso. Não é xenofobia. Mas, antes de mais nada, é preciso fazer o que a CF manda. A saúde não pode ser regida pela lei da oferta e procura. Que este PL seja alvo ainda de muitas outras audiências”.
Já a presidenta do Conselho Nacional de Saúde (CNS), Maria do Socorro, defendeu que o tema seja levado à sociedade, por não poder ser discutido separadamente do tema do financiamento e do fortalecimento do Sistema Universal de Saúde: “o nosso papel como esfera de controle social é esse. O Brasil tem dois subsistemas, os dois em crise: o privado e público. Esta casa tem a responsabilidade de fazer um debate mais integrado”.
Ainda segundo a presidenta do CNS, é preciso que haja mais debates acerca do PLS: “o projeto não tem argumentos suficientes. A justificativa de que a entrada de capital estrangeiro aumentaria a concorrência – lembrando que os Estados Unidos fizeram a mesma coisa e não diminuíram os custos dos serviços – não é suficiente. Isso tem que ser discutido pelo estado brasileiro”.
Também participaram do debate da última semana o diretor de Desenvolvimento Setorial da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), Bruno Sobral de Carvalho; o coordenador geral de Análise Antitruste 2 do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), Kenys Menezes Machado; o representante da Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp), o Senador Eduardo Suplicy; Daniel Coundry; e o representante do Ministério da Saúde, Fausto pereira dos Santos.