O caso da cesariana forçada em Torres/RS, por José Henrique Torres
No dia 31 de março, a justiça do Rio Grande do Sul determinou que Adelir Carmen Lemos de Goés, de 29 anos e grávida de 42 semanas, fosse submetida a um parto cesariano. A gestante desejava que fosse feito um parto natural, contudo a equipe médica que a atendeu afirmou que não seria possível e recomendou a cesárea, alegando que a criança estaria em pé no útero.
Adelir decidiu não realizar o procedimento naquele dia e retornou para casa para tentar dar à luz por meio de parto vaginal. Informado pelo hospital sobre a decisão, o Ministério Público ajuizou uma ação solicitando a condução da paciente ao hospital. A justiça acatou o pedido e Adelir foi levada coercitivamente à maternidade, onde teve uma menina.
O fato da gestante ter sido submetida a um parto cesariano contra a sua vontade levou o caso a ser amplamente divulgado pela mídia e provocou uma forte discussão entre pesquisadores, médicos, juízes, advogados e ativistas em defesa dos direitos da mulher e dos direitos humanos.
Com o intuito de fomentar o debate, o Cebes publica hoje a análise do juiz e professor de direito, José Henrique Rodrigues Torres. O objetivo do texto não é fazer considerações específicas sobre o caso de Adelir, mas, à luz da conjuntura e dos debates realizados, abordar a legislação brasileira tomando por base o princípio constitucional da autonomia dos pacientes e, de modo especial, das mulheres e gestantes.
Partindo do princípio constitucional e democrático do direito à liberdade da vida privada e do direito à autonomia, José Henrique Torres revisita o que determina o Código Penal brasileiro sobre a realização de procedimentos médicos sem consentimento do paciente e esclarece as relativizações e ponderações legais no que diz respeito à autonomia da gestante na escolha do seu parto e à sua relação com o feto.
Segundo o juiz, a realização uma cesárea contra a vontade da gestante é, inicialmente, uma conduta que tipifica delito. Apenas justificando-se quando comprovado o estado de necessidade e de perigo atual e iminente de vida da mãe ou do feto. “E esse perigo atual não pode ser um perigo eventual ou abstrato, mas, sim, deve ser um perigo concreto, real e objetivo”, diz o autor.
José Henrique Torres é juiz titular da 1a Vara do Júri de Campinas/SP, professor de direito penal da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC/Campinas) e professor de Direito Penal Sanitário do Instituto de Direito Sanitário Aplicado (IDISA).
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Entenda Melhor o Caso
No dia 31 de março, a justiça do Rio Grande do Sul determinou que Adelir Carmen Lemos de Goés fosse submetida a um parto cesariano. O procedimento foi realizado no dia seguinte no Hospital Nossa Senhora dos Navegantes, no município de Torres, litoral norte do estado.
Adelir, já mãe de um menino de 7 anos e de uma menina de 2 anos, desejava que o parto do seu terceiro filho fosse natural. Contudo, de acordo com a avaliação médica feita pela equipe do hospital, a gestante não poderia ser submetida a um parto vaginal, porque a criança estaria de pé no útero, e o bebê e a mãe estariam em risco. Além disso, conforme afirmou Stephany Hendz, que seria assistente no parto, a instituição não possuía equipe para realizar um parto domiciliar.
Diante das circunstâncias, Adelir decidiu voltar para casa para tentar fazer um parto natural e assinou um termo de responsabilidade declarando a sua vontade de não ficar internada. A maternidade informou o caso ao Ministério Público estadual com o intuito de preservar “a saúde e integridade da mãe e do bebê”, segundo afirma nota oficial divulgada.
O Ministério Público então ajuízou medida de proteção com pedido de antecipação da tutela requerendo a condução da paciente ao hospital. A Justiça gaúcha acatou a solicitação e determinou “primeiro, o encaminhamento coercitivo ao Hospital Nossa Senhora dos Navegantes, a fim de que a gestante receba o atendimento médico adequado para o resguardo da vida e integridade física do nascituro, inclusive com a realização do parto por cesareana, se essa for a recomendação médica no momento do atendimento”, diz o texto da decisão judicial.
Conduzida pelo oficial de justiça ao hospital em ambulância e escoltada por dois carros da Brigada Militar, no dia primeiro de abril, Adelir deu a luz a uma menina. Mãe e filha passam bem. O pai da criança, informou que o casal pretende processar o hospital e a médica.