O cenário após a queda da CPMF
Por Sonia Fleury (*)
Uma das conseqüências da negociação dos recursos adicionais para a saúde como dependentes da aprovação da CPMF e da DRU foi a desorganização das forças sociais que lutam pelos recursos para a saúde, com a pulverização das propostas em relação ao financiamento social e da saúde.
A ausência de preocupação com as condições de governabilidade e governança geradas na construção do SUS teve, até agora, efeitos deletérios sobre essa engenharia política setorial, criando condições para uma radicalização infrutífera do Conselho Nacional de Saúde e a mencionada pulverização em relação às propostas de financiamento setorial.
Para alguns de nossos companheiros históricos, como se lê no Boletim do INESC, “uma alternativa sensata de corte passaria pela modificação do superávit primário que, aliado às elevadas taxas de juros, tem comprometido o crescimento econômico do país e limitado a expansão com os gastos sociais do governo. A meta de superávit primário para o setor público consolidado em 2008 é de 3,8% do PIB (R$ 104,3 bilhões). As despesas com pagamento de juros e amortização da dívida, excluindo o refinanciamento, totalizam R$ 248 bilhões, comprometendo 26% dos orçamentos fiscal e da seguridade social.”
Para o presidente da Frente Parlamentar da Saúde, deputado Darcísio Perondi (PMDB-RS), os números provam que o Governo tem como conter a crise da saúde sem precisar da CPMF ou de qualquer novo imposto, como vem sendo especulado. “Agora os números são oficiais. A própria Receita Federal informou que, graças ao crescimento da economia e ao combate à sonegação, a arrecadação tributária em 2007, corrigida pela inflação, foi recorde e somou R$ 615 bilhões, um aumento real de 11,09% ou R$ 61,3 bilhões em relação ao ano anterior. Isso quer dizer que, mesmo sem considerar os R$ 37,2 bilhões da CPMF, a arrecadação do Governo cresceu R$24,1 bilhões entre janeiro e dezembro.”
Uma alternativa que vem sendo defendida pela área de educação, mas que encontra pouco eco na saúde é a isenção da DRU para as áreas sociais, e mesmo a vinculação de parcela dos recursos do Orçamento da Seguridade Social para a saúde, como previsto na Constituição de 1988.
Se as alternativas de aumento da tributação alcançam forte rejeição da sociedade, mobilizada contra a excessiva carga tributária, mas alienada em relação ao caráter regressivo de nossa estrutura tributária, as alternativas que supõem a vinculação de recursos são rechaçadas pelos setores governamentais da área econômica, comprometidos com a manutenção de altos patamares do superávit primário, necessários ao pagamento dos serviços da dívida.
Diante deste cenário, a convocação de uma reunião das entidades do Fórum da Reforma Sanitária, pelo CONASS e CONASEMS, no último dia 16 pode ser vista não apenas como oportuna, mas também como um marco. Isto porque incluiu nesta articulação ambas as organizações dos secretários municipais e estaduais de saúde, as entidades representativas da sociedade civil, como também a participação de membros do Conselho Nacional de Saúde.
A unificação dos diferentes discursos em uma plataforma mínima foi alcançada em torno da defesa da regulamentação da EC 29 nos termos das propostas já aprovadas pelas entidades: mínimo de 10% da Receita Corrente Bruta da União, 12% da Receita de estados e 15% da Receita de municípios. Esta plataforma unitária deverá servir para a mobilização do setor e pressão sobre os congressistas a partir do início do ano legislativo em fevereiro.
A busca de uma plataforma mínima comum tem como parâmetro a necessidade de unir nossas forças e buscar aproveitar a visibilidade alcançada pela saúde na discussão pública para impulsionar a aprovação de uma fonte definida, definitiva e suficiente para a saúde. Por isto essa fonte deverá ser específica, permanente e exclusiva. A exclusividade garante a não incidência da DRU, mas tem o custo de continuar fragmentando o Orçamento da Seguridade Social, a exemplo do que ocorreu com a contribuição salarial que ficou destinada exclusivamente à Previdência (EC nº 20).
Sabemos que é preciso trabalhar em um plano de curto prazo, limitado e concentrado, a fim de garantir os recursos adicionais para a área de saúde de forma definitiva e suficiente. No entanto, a médio e longo prazo, temos que articular esta plataforma com nossas bandeiras mais amplas, em defesa da Seguridade Social, com a realização de uma Conferência Nacional da Seguridade Social que permita e fomente o debate em torno dos princípios e mecanismos que resgatem o ideário da Seguridade, única garantia das políticas universais.
Precisamos nos envolver na defesa de uma Reforma Tributária que acabe com os subsídios e isenções, inclusive na saúde, e assegure o caráter progressivo da taxação e uma política econômica que coloque o desenvolvimento nacional equitativo e sustentável como a grande prioridade, revertendo o modelo monetarista que ainda predomina como parâmetro econômico.
Por fim, sabemos que as mazelas atuais, decorrentes do modelo político de barganhas e prebendas entre partidos aliados e governo e vetos inconseqüentes de uma oposição que antes defendia as mesmas propostas, só serão alteradas com uma Reforma Política Democrática que, para além da questão eleitoral, assegure uma real alteração do pêndulo de poder em direção à sociedade civil organizada.
O desafio é grande, do tamanho de nossos sonhos e de nossa capacidade de organização na luta pela democracia.
(*) Sonia Fleury é docente da FGV e a Presidente do Cebes.