O governo federal mente para se posicionar contra o direito das mulheres à saúde reprodutiva integral durante a pandemia de Coronavírus
Na quarta-feira, o presidente Jair Bolsonaro disse que o Ministério da Saúde estava atrás de autores de uma “minuta de portaria apócrifa sobre aborto”. Ele ainda afirmou ser contra interrupção de uma gravidez. Nunca houve portaria apócrifa, mas Nota Técnica nº 16/2020 – COSMU/CGCIVI/DAPES/SAPS/MS, que, como aponta o Conselho Federal de Enfermagem, reconheceu “os direitos reprodutivos das mulheres brasileiras continuam vigentes durante a pandemia de covid-19“, incluindo o aborto legal – admitido no Brasil apenas em casos de estupro, risco de vida da mãe e incompatibilidade com a vida extrauterina. Ministério da Saúde exonerou os responsáveis pela Nota.
A Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) – que atua no âmbito científico e profissional, congregando e representando os 17 mil médicos gineco-obstetras brasileiros – publicou em seu site uma nota na qual reforça que “mesmo no atual período de pandemia da COVID-19, devem ser considerados como serviços essenciais e ininterruptos a nossa população, os serviços de atenção à violência sexual, o amplo acesso à contracepção, o direito e acesso à saúde sexual e saúde reprodutiva e o abortamento seguro para os casos previstos em lei, e a prevenção e o tratamento de infecções sexualmente transmissíveis, incluindo diagnóstico e tratamento para HIV/AIDS“.
Para a entidade, somente assim “impactaremos positivamente na redução da morbimortalidade materna, na saúde feminina e na melhoria do nível de qualidade de vida das mulheres brasileiras“.
Uma nota das entidades Centro Feminista de Assessoria (Cfemea), Grupo Curumim Gestação e Parto e Observatório de Sexualidade e Política/ SPW-Abia, aponta que “não existe Nota Técnica apócrifa, pois o documento é produzido por técnicas e técnicos do Ministério da Saúde e submetido a diversas aprovações e assinaturas antes de ser publicado. Esta Nota
Técnica, especificamente, foi elaborada sob a demanda que a conjuntura impõe, e a partir de discussões formais no âmbito nacional e internacional“. Notícias veiculadas na imprensa apontam que a violência contra mulher cresceu desde o início da pandemia de covid-19. Segundo relatório divulgado em abril pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), no entanto, as vítimas encontram dificuldade de avisar às autoridades por, muitas vezes, estarem em momento de isolamento social junto com o agressor.
Como apontam essas três entidades, a nota não é “apócrifa”, pois foi produzida pela equipe da Coordenação de Saúde das Mulheres, que integra a Coordenação-Geral de Ciclos da Vida do Departamento de Ações Programáticas Estratégicas da Secretaria de Atenção Primária à Saúde do Ministério da Saúde.
“A Nota está em acordo com determinação da Organização Mundial de Saúde (OMS), segundo a qual unidades que oferecem serviços de saúde sexual e saúde reprodutiva são consideradas essenciais, e seus serviços não devem sofrer descontinuidade durante a pandemia da COVID-19. Ressalta ainda que, tendo em vista a desigualdade social no país, impõe-se a necessidade de ações equânimes para assegurar o acesso à saúde sexual e saúde reprodutiva de qualidade, com vistas a reduzir a gravidez não planejada e garantir informação e assistência aos casos de violência sexual“, afirmam as entidades.
“A Nota reconhece a trágica realidade da violência contra as mulheres e indica caminhos necessários, ao menos para a redução de danos dessa violência, que pode incluir a interrupção voluntária da gravidez resultante de estupro. Vale lembrar que a interrupção da gravidez resultante de estupro é uma das três possibilidades autorizadas no Brasil, junto com os casos de risco de morte para a gestante e gravidez de feto com anencefalia“, completam.