O Parto e a Privatização em saúde

Por Pedro Tourinho

Tive a oportunidade e a honra de participar, neste domingo (17/06), da edição de Campinas da Marcha do Parto em Casa, movimento surgido nas redes sociais durante essa última semana e que teve mobilizações em várias cidades do Brasil ontem e hoje.

O movimento surgiu a partir da notícia de que o Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro (CREMERJ) denunciaria o médico obstetra e professor da UNIFESP, Jorge Kuhn, pelo fato do mesmo ter defendido, em reportagem do programa Fantástico da TV Globo, no último domingo, a possibilidade dos partos serem realizados em ambiente domiciliar, assistido por equipe multiprofissional, em condições clínicas de baixo risco na gestação.

Num momento em que tanto se fala em privatização da saúde, vale à pena refletir sobre o significado desse movimento reativo da corporação médica. Não seria a tentativa de tornar o parto um ato privativo do médico, na verdade, uma tentativa de privatizar o próprio nascimento de seres humanos? Mais uma vez, parece que uma pequena parcela da sociedade tenta se apropriar daquilo que é patrimônio de todos, há séculos. Não faz qualquer sentido que alguma categoria profissional queira estabelecer o parto como ato privado seu; se alguém tem a exclusividade do parto, esse alguém é a mulher gestante, sua grande protagonista.
Não se trata de ignorar ou negar os avanços e conquistas do conhecimento biomédico no que diz respeito à redução da morbimortalidade relacionada ao parto, não existe qualquer questionamento quanto a isso. As indicações para o parto cesárea são hoje bem estabelecidas, assim como os benefícios do parto natural, tanto para a mãe quanto para o bebê, tampouco deve qualquer mulher ter negado o direito a assistência pré e peri natal adequadas. Ocorre que vivemos no Brasil uma inversão de posições em que, muitas vezes, ao invés de ser usado em favor dos pacientes, o conhecimento biomédico é usado em benefício de corporações.
Nosso país é campeão mundial de cesarianas. Recente pesquisa demonstrou que pelo menos um quarto das mulheres referem ter sofrido algum tipo de violência durante o parto. À pronta denúncia do CREMERJ contra o direito de opinião do colega Jorge Kuhn, compara-se o constrangedor silêncio das entidades médicas, que deveriam ser as primeiras a denunciar o inexplicável índice de cesarianas – e a coibir qualquer violência à mulher durante o parto.
Mesmo quando temos partos normais nos hospitais, na maioria das vezes eles são – como bem descreveu uma amiga que recentemente tornou-se mãe desta forma – “partos cirúrgicos por via vaginal”.
Que esse movimento em defesa do parto humanizado domiciliar consiga ir além do necessário desagravo ao dr. Jorge Kuhn, colocando a necessidade de se rediscutir, com base nas melhores evidências científicas, o direito das mulheres em protagonizar esse momento mágico que é o parto e o nascimento de um novo ser humano. Que os esforços sejam cada vez menos da defesa corporativa por nichos de mercado e sejam, cada vez mais, pela ampliação do direito de escolha das mulheres, garantindo a melhor assistência e a maior segurança tanto no hospital quanto no domicílio.
Pedro Tourinho é médico sanitarista, professor da faculdade de medicina da PUC Campinas e membro do Núcleo Regional Campinas do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes).