O Povão não tem nada que ver com a “Classe A” dos estádios.
Heleno Rodrigues Corrêa Filho
Epidemiologista – Professor Associado Colaborador
UNICAMP – FCM – DSC – BRASIL
[http://lattes.cnpq.br/6679654672181428]
Após o jogo da copa mundial de futebol entre Brasil e Chile, no dia 28 de junho de 2014, um menino chileno chorava de encontro ao abraço do pai pela derrota da seleção chilena no estádio do Mineirão. O pai o abraçava e acolhia com a mesma face triste, como a de muitos de seus compatriotas que não suportavam a dor de perder por pênaltis, depois de a torcida brasileira ficar mais calada que a do Chile, no que jornalistas da mídia brasileira chamaram de “Mineirazo” referindo-se ao dia em que o Uruguai derrotou o Brasil em junho de 1950 no “Maracanazo”. O ‘Mineirazo’ que os jornalões e revistas semanais queriam não aconteceu.
O menino do Chile pôde realizar o luto de sua tristeza. O choro de ver seu time e seu símbolo nacional perder uma partida de futebol em campeonato mundial não significou perder a estima que pode ter em sua família pela seleção símbolo de seu país. Ele compreenderá ao sair da adolescência o que significa poder gritar a plenos pulmões em outro país o seu grito entusiasmado de Chi-Chi-Chi, Le-Le-Le. A derrota em um jogo certamente fará que chilenos se empenhem mais e mais em aperfeiçoar seu futebol para novas disputas, que serão sempre respeitosas dentro dos limites que se impõem para as nações, que nunca devem ser maiores que a internacionalidade.
Um menino brasileiro não poderia chorar por que a imprensa brasileira lhe retirou o direito ao luto da mesma forma que lhe roubou o direito ao júbilo pela vitória, qualquer que possa acontecer. A imprensa brasileira, e seus associados políticos do tipo urubu, querem predar a carniça da honra do sentimento nacional, que hoje não se pode transmitir de pai para filho por que a opinião de âncoras de TV coincide com a de opositores políticos dos programas sociais que acusam dizendo que o futebol é corrupção como “tudo que está aí”. Por extensão o futebol derrotado ou vitorioso será corrupto e um menino brasileiro não poderá chorar nem de alegria nem de tristeza.
O pai de um menino brasileiro não poderá ficar de cócoras, no fundo do quintal, apontando o dedo para o céu cheio de balões com as cores nacionais, e mostrar para o filho que a glória do país está sendo comemorada com foguetes, apitos e bandeirinhas como as que foram pintadas por Volpi. Isso aconteceu em 1958 quando o Brasil ganhou a copa na Suécia. Do ponto de vista da “grande imprensa” isso não pode acontecer hoje se o time brasileiro ganhar a copa jogando dentro de casa.
O orgulho nacional foi capturado em silêncio na copa de 2014 pela classe alta, que impediu as classes trabalhadoras de torcer, colocou as polícias militares e black-blocs em confronto financiado e treinado pela CIA por meio de seus braços de sabotagem – o NED e o OTPOR. A sabotagem da imprensa contra a copa recebeu apoio da ultraesquerda, que apareceu brandido a mesma idiotice política e as máscaras de anonimato que ajudaram a derrubar o presidente eleito do Egito. Os novos voluntaristas apoiaram a tentativa de golpe deslumbrados, muitos deles por que nasceram depois do golpe militar que impediu o progresso das classes trabalhadoras no país em 1964. Não sabem a diferença entre democracia e ditadura.
Pior que ficar calada quando podia torcer pelo time do Brasil parte da torcida brasileira dentro do estádio com preços classe “A” desrespeitou o hino nacional chileno com vaias e gritos. O comportamento contrastou com o das praças e das ruas do Brasil onde todas as nacionalidades torceram juntas e em paz salvo raros incidentes provocados por bêbados, bandidos e brigões. O Brasil das ruas recebeu os turistas de outros países com confraternização e silêncio respeitoso diante das músicas e símbolos nacionais dos que viajaram para disputar o esporte que o povão aprecia mais que os membros da classe alta que faz compras em Miami.
Durante a ditadura militar que golpeou o povo do Brasil de 1964 a 1985 os símbolos nacionais foram apropriados pela direita e seus jagunços que golpearam as forças armadas. A bandeira e o hino nacional foram desacreditados pela obrigação de obedecer a quem mandava. Era o “Brasil ame-o ou deixe-o” copiado por marqueteiros do “love-or-leave-it” do mercado norte-americano. Com a retomada de eleições livres o povo tomou de volta os símbolos nacionais e não pediu permissão para donos de redes de TV, jornais e revistas, nem para correntes políticas e partidárias.
A campanha do “não vai ter copa” se notabilizou pela proposta negativa. Não veiculou reivindicações justas por moradia, direitos de excluídos, respeito ao ambiente, e políticas públicas. Levou o negativo e proibiu o prazer do povão.
Se durante a ditadura era exigido o prazer do futebol isso se tornou proibido pela mídia e por grupos políticos de costas para os desejos da população. Jogaram índios, suas mulheres e crianças contra tropas provocadoras das polícias militares sem dar o devido destaque às necessidades dos indígenas. Queriam que aparecesse apenas a bandeira negativa. A perplexidade do cacique índio vendo que os cavalarianos jogavam bombas e cavalos contra crianças e mulheres deu origem à reação legítima de flechar a perna de um PM. Lógico que não foi erro de pontaria. A flechada não era para matar. Foi apenas para defender crianças de um ataque brutal de polícias que desrespeitam direitos para favorecer o interesse que coincide: _ quem manda nos bancos e esconde dinheiro nas Bahamas não quer copa, e acha que quem protesta não tem direito a ter copa.
Por isso um menino brasileiro não saberá que tem direito a rir ou chorar, qualquer que seja o resultado da copa. Se ganhar perde o sorriso. Se perder perde o choro. Não tem símbolos. Não tem palavras de ordem. Caminha para a campanha eleitoral sem saber se acredita nos que boicotaram a copa, nos que ganharam dinheiro com a copa, nos que disseram que não ia ter copa, ou nos que avacalharam com a copa. O povo saberá no fundo que não vai votar em quem não lhe reconhece direitos e tentou lhe negar qualquer coisa que dê prazer, inclusive a copa.