O preço da responsabilidade sobre a saúde das mulheres
Por Ana Maria Costa e Estela Maria Leão Aquino (*)
A Prefeitura do Recife, por intermédio da Secretaria de Saúde, teve a coragem de incluir a prescrição e oferta da pílula do dia seguinte entre as ações de proteção à saúde das pessoas programadas para o período carnavalesco, sabidamente a maior festa popular associada às brincadeiras, aos encontros e, freqüentemente, a pratica sexual. E a Santa Madre Igreja, mais uma vez, reagiu.
A distribuição ampla de preservativos para todos os foliões é sem dúvida o melhor método de prevenção às doenças sexualmente transmissíveis (DST), incluindo a Aids. É importante ressaltar que, uma vez exposto às DST ou ao HIV, por meio de uma relação sexual desprotegida, o indivíduo não tem alternativas para evitar uma infecção. O preservativo é a única e mais eficaz proteção contra as DST e HIV tanto para homens como para as mulheres, independentemente da orientação sexual e da modalidade de prática sexual.
Por outro lado, os dados mostram que o carnaval é período de ocorrência de grande número de gravidez indesejada, justamente pela prática de sexo desprotegido, ou seja, o sexo inseguro. Mesmo com ampla distribuição de preservativos, nem todos os casais usam na hora H. Além disso ainda têm os acidentes que acontecem pelo mau uso da camisinha. Por isso a boa prática de Saúde Pública recomenda que o SUS, como um sistema de atenção integral à saúde das pessoas e coletividades, se preocupe com o assunto desenvolvendo uma estratégia de proteção às mulheres, prevenindo a gravidez indesejada. A gravidez não desejada é uma situação de risco sanitário já que está diretamente relacionada à morte materna.
Atualmente já está disponível uma tecnologia capaz de prevenir este risco à saúde, a chamada pílula do dia seguinte que deve ser usada naquelas situações de sexo desprotegido. O SUS reconhece que as mulheres merecem ter acesso a esta tecnologia, especialmente neste período que estão mais expostas ao risco de engravidarem sem planejamento. Mas como a pílula do dia seguinte não deve ser usada por automedicação, mas nos casos de indicação efetiva, a dispensação do contraceptivo de emergência estará restrita às policlínicas, maternidades e postos de saúde montados para o carnaval, e somente será usada sob prescrição médica.
Não se trata, portanto, de uma distribuição em massa, indiscriminada e nem isolada. Sua disponibilização aos foliões do Recife vem acompanhada, ou melhor, antecipada por ampla campanha de orientações sobre práticas sexuais seguras incluindo a distribuição dos preservativos, masculino e feminino. Esta iniciativa visa, além da prevenção da gravidez, a proteção contra as doenças sexualmente transmissíveis e a Aids.
É importante mencionar que a Contracepção de Emergência é uma tecnologia aprovada pela Anvisa e está inserida entre os recursos às mulheres constantes da Política Nacional de Saúde da Mulher do Ministério da Saúde, portanto do SUS e implementada pela Secretaria de Saúde do Recife. Trata-se de uma tecnologia que se insere no eixo referente à garantia dos direitos sexuais e reprodutivos, no formato dos acordos internacionais do Sistema ONU, dos quais o Brasil é signatário.
A Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Mulheres é uma política para ser implementada por todo o SUS. Ela deve ser acompanhada sistematicamente pelos órgãos de controle social – Conselho Municipal de Saúde e Conferências Municipais de Saúde e da Mulher. Esta política, além de abordar todas as necessidades de saúde das mulheres, na diferentes fases e situações de suas vidas, tem ainda um componente de garantia aos Direitos Sexuais e Reprodutivos. A compreensão de Direitos Sexuais e Reprodutivos inclui um conjunto de ações entre as quais se destaca a oferta dos exames preventivos para câncer de colo de útero e de mama, atenção ao climatério, prevenção das doenças sexualmente transmissíveis e planejamento reprodutivo.
Entre as ações de planejamento reprodutivo, de acordo ao conhecimento científico atual, tanto epidemiológico como clínico, está incluída a Contracepção de Emergência, que vem sendo implantada na rotina da rede de serviços de saúde do SUS, somando-se aos demais métodos de planejamento familiar – naturais; hormonais (contraceptivos orais e injetáveis); DIU; de barreira (diafragma, camisinha masculina e feminina); e cirúrgicos (laqueadura tubária e vasectomia). Desta maneira, incorporar esta tecnologia à programação do carnaval, com o objetivo de garantir o acesso oportuno do medicamento até 72 horas após a relação sexual, atende ao cumprimento do princípio do SUS de integralidade na atenção e no cuidado às pessoas. É o cumprimento da responsabilidade dos gestores locais da saúde, com a saúde das mulheres.
Toda a evidência científica aponta que esta tecnologia da contracepção de emergência ou pílula do dia seguinte é um método seguro que constitui um importante recurso na prevenção da gravidez indesejada, indicado em situações emergenciais para a prevenção da gravidez decorrente da violência sexual, estupro e falha do método contraceptivo, portanto indicado nesta ocasião carnavalesca em que os dados revelam aumento da incidência de gravidez indesejada.
No entanto, ao invés de aplaudida pela sua iniciativa, a Secretaria Municipal de Saúde do Recife está sendo objeto de ação impeditiva da Igreja. Até quando a Santa Madre Igreja atuará na contra-corrente da Ciência e da Saúde confrontando-se com as autoridades sanitárias e impondo a todos suas normas de conduta baseadas nos seus dogmas religiosos? Felizmente os tempos são outros e nosso Ministro da Saúde, com a coragem que lhe vem sendo peculiar no trato destas questões, e obedecendo ao princípio do Estado Laico, prontamente respaldou a autoridade sanitária do Secretário Municipal do Recife, valorizando sua responsabilidade com a saúde. De uma vez por todas é necessário considerar que a oferta de Contracepção de Emergência – tanto na rotina dos serviços como nesta situação de carnaval – tratas-se de uma eficiente estratégia de redução de danos à saúde das mulheres.
(*) Ana Maria Costa