O preconceito contra as primeiras mulheres no poder
Blog do Nassif
A escalada ao poder não foi fácil para as primeiras brasileiras que decidiram se aventurar na política. Mulheres pioneiras dizem que sofreram todo tipo de preconceito quando assumiram cargos que até então só haviam sido ocupados por homens.
A Folha ouviu Eunice Michiles (primeira senadora do país), Iolanda Fleming (primeira governadora), Luiza Erundina (primeira prefeita de São Paulo), Maria Luiza Fontenele (primeira prefeita de uma capital brasileira) e Roseana Sarney (primeira governadora eleita).
Deputada Luiza Erundina, 75, foi eleita primeira prefeita da maior cidade do país, São Paulo, em 1989, pelo PT
Ao chegar ao poder, parte delas se deparou com o preconceito velado. Outras sofreram discriminação aberta.
Foi o caso da cearense Maria Luiza Fontenele, 67, eleita prefeita de Fortaleza em 1985, pelo PT. Já durante a campanha, Maria Luiza disse ter sofrido com a pecha de “sapatão” por ser divorciada.
Nascida em Quixadá (CE), cidade famosa por uma formação rochosa em formato de galinha, ela diz que ouvia coisas como: “Ela é de onde até as pedras são galinhas”.
A contratação de dois ex-maridos em sua gestão lhe rendeu o apelido de “dona Flor e seus dois maridos”.
A paraibana Luiza Erundina, 75, eleita para a Prefeitura de São Paulo em 1988, relata preconceito por ser nordestina e do PT. “Só faltava eu ser negra para completar. Uma vez, até recebi uma carta com vários xingamentos e com fezes dentro”, afirma Erundina, reeleita deputada federal pelo PSB.
Ela conta que, quando assumiu a prefeitura, em 1989, eram frequentes as ameaças de bomba na sede.
A acriana Iolanda Fleming, 74, diz que teve de enfrentar preconceitos desde o início de sua carreira. Ela lembra que resolveu cursar direito quando entrou na vida pública, aos 37. “Ouvi coisas do tipo: ‘Mulher que vai à faculdade é vagabunda’.”
Filha de seringueiros, ela assumiu o governo do Acre em 1986. Antes disso, havia sido vereadora e deputada estadual por duas vezes.
Flor e poesia
Primeira senadora do país, Eunice Michiles, 81, diz ter vivenciado uma espécie de “preconceito ao contrário” quando assumiu como suplente, em 1979, pela Arena, o partido de sustentação da ditadura militar (1964-85). “Fui recebida com flores, poesia. Não deixa de ser discriminatório, porque ninguém era recebido assim.”
Cercada por homens, ela afirma que todos eram gentis porque, na época, havia “aquela maneira de tratar uma dama”. “Não me sentia como uma colega.”
A governadora reeleita do Maranhão, Roseana Sarney (PMDB), 57, se tornou a primeira governadora em 1994.
Ela conta que, ao chegar nas primeiras reuniões de governadores de Estado, a pergunta era sempre: “Como vai a família, o marido, os filhos?”. “Eles não estavam acostumados. Com o tempo, passaram a me respeitar muito mais”, relata.
Oito décadas
Oito décadas separam a eleição de Dilma Rousseff (PT) e a de Alzira Soriano, a primeira eleita no Brasil.
Alzira elegeu-se prefeita de Lages (RN) em 1929, beneficiada pela legislação do Estado, que permitia às mulheres votar e se candidatar –apenas em 1932 isso passou a valer no resto do país.
Parte das pioneiras na política afirma que Dilma terá de imprimir sua marca. “Isso ela fará, porque as mulheres têm um jeito próprio de governar”, diz Erundina. Para Eunice Michiles, “ela é uma mulher de pulso, tem qualidades, mas ser mulher não é atestado de capacidade”.
Fonte: Blog do Nassif, publicado originalmente na Folha de S. Paulo