O presente e o futuro dos conselhos de medicina

A diretora e ex-presidente do Cebes, Ana Maria Costa, e Felipe Cavalcanti conversaram com o jornalista Gabriel Brito, do portal Outra Saúde, sobre eleições para os Conselhos Regionais de Medicina. Os pleitos foram marcadas por irregularidades para garantir a continuidade de grupos conservadores. Mas houve uma exceção: em Brasília, venceu o desejo de mudança. Felipe Cavalcanti é integrante da chapa vencedora e Ana Costa é uma das suas articuladoras. Veja a seguir a matéria.

No campo da medicina, a semana foi marcada pelas eleições dos conselhos regionais, realizadas nos dias 14 e 15 de agosto, em votação presencial e virtual. No geral, as chapas de situação, dominadas pelo conservadorismo bolsonarista e com direito a muito uso da máquina, se saíram vencedoras. No entanto, na capital do país, a Chapa 4, de oposição, conseguiu a vitória, mesmo sob perseguição da comissão eleitoral.

De toda forma, e até por uma mudança de geração e aumento da quantidade de médicos no Brasil, podemos estar diante de uma guinada silenciosa nas orientações políticas desta categoria historicamente conservadora. É sobre isso que tratou a edição do PULSO desta semana, que recebeu os médicos Ana Maria Costa e Felipe Cavalcanti, membros da oposição vitoriosa em Brasília.

Em 2021 o Conselho Federal de Medicina (CFM) autoriza o uso da cloroquina, mesmo sem evidência nenhuma e um abaixo assinado foi feito, com uma grande quantidade de assinaturas. Foi aí que vimos que tinha espaço para mudar. E no DF tivemos a felicidade de construir o Médicos em Movimento, que passou a fazer um debate sobre a importância da mudança, refletida na chapa vitoriosa”, contextualizou Ana Costa, sanitarista com militância de longa data pela saúde pública.

Na conversa, ambos deixaram claro que a insatisfação com as cúpulas destes conselhos médicos era massiva. No entanto, a experiência acumulada na direção de tais órgãos, além de associações médicas e sindicatos, e o perfil elitizado da categoria, garantiram a manutenção destes grupos na direção das autarquias.

Temos direções hegemônicas em conselhos e outras associações e sindicatos médicos. Eles se revezam no poder e muitas vezes fazem uso indevido da máquina. Não temos instâncias independentes de fiscalização do pleito. Fomos proibidos de fazer propaganda por 30 dias, isso quando faltavam 39 dias. Fomos na justiça, depois conseguimos liberar na comissão eleitoral, mas o prejuízo estava dado. Houve tapetão no Brasil inteiro, mas aqui no DF não foi suficiente”, comentou Felipe Cavalcanti.

Ana Costa também explicou que nem sempre foi assim. Mesmo nos anos de chumbo da ditadura militar, tais associações e grupos deram preciosas contribuições para a medicina e a saúde pública. “Nos anos 1970 e 1980 tivemos um tempo virtuoso com muitas entidades médicas comprometidas com as boas práticas, à saúde, justiça social. Na reforma sanitária dos anos 1980 tais entidades estavam lado a lado com os movimentos que construíram os capítulos constitucionais da saúde. Mas veio a guinada conservadora e esses setores manipulam a máquina interna.

Assim, se o golpismo não deu certo para aqueles que tentaram invadir as sedes dos três poderes, ainda encontrou algum fôlego nestes órgãos de classe. “Quem faz oposição sempre é sacrificado. Como desta vez houve uma oposição mais organizada, a perseguição foi explícita e muitas vezes violenta. Tivemos chapas proibidas de fazer campanha. E tivemos atitudes sofríveis no sentido de não deixar a eleição ser tão democrática como poderia”, completou.

No entanto, como mencionado no início, nada é estático na História. O Brasil é um país que formou uma quantidade maior de médicos nos últimos 10 anos. Apesar da aura elitista que cerca esta profissão, o jovem profissional carrega anseios e sentimentos similares aos da juventude trabalhadora brasileira, sobrecarregada e precarizada. Isso pode ser a semente que se refletirá numa futura mudança da correlação de forças em tais órgãos.

É um problema complexo que devemos analisar. E esse grupo mais jovem se encantou com a possibilidade de uma renovação, em parte por uma enorme falta de confiança nos grupos que vêm dirigindo os conselhos. De forma geral, os mais jovens na profissão não se identificam com a forma de dirigir dos atuais grupos, focados em garantir benefícios para poucos e manutenção do poder. E espero que as chapas que desta vez não venceram se mantenham organizadas, até porque teremos eleições no CFM em breve, além de outros espaços, como as associações médicas”, analisou Ana Costa.

Por fim, como destacou Felipe Cavalcanti, nunca é demais lembrar para que servem os conselhos de medicina: “eles devem regular e fiscalizar a prática da medicina. Por isso saltou aos olhos o papel que os conselhos, tanto federal como alguns regionais, desempenharam na pandemia. Ao contrário de orientar os médicos, disseminar as boas práticas, se prestaram a defender práticas prejudiciais às pessoas. Ao invés de desempenhar seus papeis, se alinharam a político e posições contrárias à medicina e ciência”.

Veja no portal Outra Saúde a matéria de Gabriel Brito e veja no link o programa PULSO.

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