O que será da saúde em 2012?

A Emenda Constitucional 29 (EC 29), que levou onze anos para ser votada, foi regulamentada na noite do dia 07 de dezembro. A emenda estipula o que deve ser considerado gasto público com saúde, porém, a proposta do ex-senador Tião Viana (PT-AC) que estipulava investimento de 10% das receitas correntes brutas da União para a área não foi aprovada por 70 votos a um.

Para alguns faltou pressão da sociedade, para Paulo Navarro, membro da diretoria do Cebes, faltou vontade política para a votação dos 10%.

“Com a aprovação do projeto da Câmara, ficou claro que o capital financeiro tem mais força que o movimento sanitário na atual conjuntura. O subfinanciamento do SUS é grave, e foi uma derrota importante. É preciso responder a essa derrota com mais mobilização, com mais luta. A bandeira não é mais a EC29, mas continua sendo garantir um financiamento estável e adequado para o SUS que a sociedade brasileira conquistou. Acredito que o debate sobre novas fontes, que incidam sobre a elite econômica e financeira, deva ser central neste momento. Vamos debater o imposto sobre grandes fortunas, a taxação sobre o capital financeiro e as grandes movimentações. Debater o fim dos subsídios públicos, diretos e indiretos, aos planos de saúde privados. A luta pelo SUS resistirá a essa derrota no Senado”, comenta Paulo sobre essa derrota que determinará, em grande medida, o futuro da saúde.

Confira a matéria da Agência Senado, texto de José Gomes Temporão e matéria em áudio do Deputado Darcísio Perondi.

 

Regulamentação da Emenda 29 impede `maquiagem´ nas contas do SUS

Agência Senado – 20 de dezembro de 2011.

O Sistema Único de Saúde (SUS) é descrito pelo governo como a maior rede pública de saúde do mundo. Ao instituí-lo, a Constituição de 1988 foi, de fato, audaciosa. Determinou que cada brasileiro teria todas as suas necessidades de saúde atendidas gratuitamente – de uma mera aspirina a um complexo transplante de coração.

Para tentar cumprir a lei, o governo federal, os estados e as prefeituras destinaram à saúde R$ 110,5 bilhões em 2008. Com tal montante, seria possível construir e equipar mais de 2.200 hospitais de médio porte.

A saúde no Brasil

Apesar da grandeza, esse valor não é suficiente. Faltam remédios nos hospitais; a espera por consulta chega a meses; por cirurgia, a anos; médicos recebem salários irrisórios; faltam profissionais no interior do país e na periferia das cidades grandes; aparelhos médicos passam semanas parados por falta de conserto; epidemias de dengue causam mortes todo verão; doentes brigam nos tribunais para serem tratados.

No ano 2000, para garantir os recursos do SUS, a Constituição recebeu uma emenda – a Emenda 29 – fixando o mínimo que cada esfera do poder público deveria aplicar. A União precisaria investir em saúde o valor do ano anterior mais o crescimento do produto interno bruto (PIB). Os Estados, 12% de seus impostos. E as prefeituras, 15%.

Brecha na lei

A Emenda 29, porém, nunca conseguiu acabar com as mazelas do SUS. A razão: não foi regulamentada até hoje. A Constituição ficou com uma brecha por não dizer o que são gastos em saúde pública. Assim, os governantes usam subterfúgios para atingir os mínimos constitucionais. Usam os cofres do SUS para pagar a despoluição de rios, a varrição das cidades, a merenda das escolas e até o plano de saúde dos funcionários públicos. Sem a regulamentação da emenda 29, os governantes interpretam que tudo isso tem impacto na saúde e pode ser pago pelo SUS.

Em 2008, o Rio Grande do Sul informou ter aplicado em saúde 12,39% das receitas. Uma auditoria do SUS descobriu que, cumprida a Emenda 29 ao pé da letra, aplicou apenas 4,37%. Pelas últimas contas do Ministério da Saúde, a rede pública perdeu R$ 9 bilhões anuais com subterfúgios desse tipo nas três esferas de governo.
O projeto que regulamenta a Emenda 29 chegou ao Congresso em 2003. O texto diz, claramente, o que é saúde pública e o que não é. Limpeza urbana, merenda e plano de saúde não são. Após anos de tramitação arrastada no Senado e na Câmara e de promessas eleitorais, a regulamentação finalmente acaba de ter a votação derradeira. Os senadores a aprovaram duas semanas atrás. Para valer, depende apenas do aval da presidente Dilma Rousseff.

O texto desagradou aos defensores da saúde pública. Apesar de reconhecerem que as “maquiagens” acabarão, eles se queixam de que o SUS não terá um reforço financeiro tão grande quanto o exigido pelas dificuldades do dia a dia. Os R$ 9 bilhões hoje perdidos nas “maquiagens” não chegam perto dos R$ 45 bilhões extras anuais que o Ministério da Saúde calcula como o necessário para dar qualidade ao SUS.

No Congresso, o projeto chegou a ganhar dois dispositivos que dariam mais musculatura ao SUS. O primeiro previa a criação de um imposto para a saúde – nos moldes da extinta CPMF, que até 2007 respondeu por 35% do orçamento do Ministério da Saúde. O segundo dispositivo determinava que a União também teria uma porcentagem a aplicar no SUS – 10% das receitas. Hoje, destina o equivalente a 7%. Nenhum dos dois dispositivos vingou.

– É decepcionante. O subfinanciamento do SUS vai continuar – diz Luiz Augusto Facchini, presidente da Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva (ABRASCO).

Faltou pressão da sociedade. Segundo Facchini, as classes média e alta veem o SUS como um sistema de pobres. Esquecem que a vacinação, o programa de Aids, os transplantes, o controle de epidemias e a fiscalização de alimentos e remédios são feitos pelo SUS.

Falta de empenho

Para Francisco Batista Júnior, diretor do Conselho Nacional de Saúde (ligado ao Ministério da Saúde), não houve interesse nem empenho do governo:

– Os 10% não passaram porque a equipe econômica é forte. Ela trabalha com a lógica de economizar, de fazer o ajuste fiscal. O imposto não passou porque o governo não teve competênciapara convencer a sociedade e a oposição.

O presidente do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems), Antônio Carlos Nardi, descreve a regulamentação aprovada como “um balde de água fria”:

– Não é na porta do ministro ou do governador que o cidadão bate quando não consegue ser atendido no hospital. É na porta do prefeitura. Muitas prefeituras aplicam 25%, 30% das receitas em saúde. Isso é ingovernável. Não sobra dinheiro para outras políticas. A situação vai continuar crítica.
Segundo o ex-ministro da Saúde e atual líder do PT no Senado, Humberto Costa (PE), em 2012 a Casa formará uma comissão que terá dois meses para propor novas fontes de financiamento para o SUS.

Fonte: Ricardo Westin / Jornal do Senado

 

As perspectivas do SUS

A recente aprovação da EC 29 pelo senado permite uma análise das perspectivas do SUS a partir de suas bases de financiamento.

Em primeiro lugar é necessário reconhecer a grande vitória que foi a definição conceitual de gastos em saúde. Isso permitirá    um    monitoramento    mais    adequado    do cumprimento da legislação por estados e municípios, além da captação de recursos adicionais estimados em cerca de três bilhões de reais /ano, embora seja consenso que esse volume de recursos será claramente insuficiente para atender as necessidades do financiamento setorial. Estas, baseiam-se em inúmeros estudos que as justificam além das inevitáveis comparações com o padrão de gastos de países com o mesmo grau de desenvolvimento (como Argentina e Chile) ou com nossas referências históricas como Canadá e Inglaterra.

De outro lado, ficou o sentimento de frustação trazido pela manutenção das atuais regras de participação da União no financiamento do SUS. A rejeição pelo Senado da propostade 10% das receitas como critério de participação da União, ao lado da retirada do dispositivo que permitiria a criação de uma nova fonte específica de recursos; trouxeram a certeza de que ainda teremos muita luta pela frente para dar ao SUS a base econômico-financeira que lhe permita cumprir o mandato constitucional.

Sem a perspectiva de contar com recursos adicionais substantivos no curto prazo, mantem-se o horizonte de subfinanciamento crônico e portanto, a impossibilidade de fortalecimento e consolidação do SUS.
Mantendo-se as atuais regras do jogo de estímulo ao mercado de planos e seguros através de subsídios variados e expressiva renúncia fiscal, consolida-se uma dinâmica de criação de um vetor pró fortalecimento do mercado privado. Outra não é, por exemplo, a lógica que rege o PL de autoria da senadora Lucia Vania (PSDB-GO) aprovado do dia 6 de dezembro na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, que permite a venda dos chamados planos com cobertura reduzida “para diminuir o custo do produto, conforme a autora, tornando-o acessível a um maior número de pessoas”. Estratégia de olho na nova classe média seduzida pela ideologia consumista de ter um plano de saúde como sinônimo de segurança e ascensão social.

Do ponto de vista mais geral persiste nas áreas “duras” do Estado como Fazenda e Planejamento, uma visão estereotipada e equivocada que vê a hipótese de ampliação dos dispêndios no setor público como ameaça ao controle das contas públicas, não conseguindo perceber a saúde e sua dinâmica própria de desenvolvimento, inovação, criação de emprego qualificado e de riqueza, ou seja, como um dos pólos mais dinâmicos da economia. O SUS deve ser percebido como uma política capaz de ajudar a superar a crise e não como setor que implica em “gastos” adicionais.
Essa visão anacrônica é reforçada pelo discurso fartamente veiculado pela grande mídia, de que o problema do SUS não é de financiamento e sim de gestão buscando consolidar na opinião pública uma posição de rejeição a propostas que busquem a ampliação do financiamento público para o SUS.

Por fim, esse conjunto de dificuldades enfrentadas na busca de uma base sólida de financiamento setorial, expressa a meu ver sinal inequívoco de perda de hegemonia do que já se denominou no passado de “ Movimento da Reforma Sanitária” o que coloca para nós todos, comprometidos com esse processo histórico, a necessidade de repensar nossas estratégias na busca de consolidar “ a saúde como direito de todos e dever do Estado”.

José Gomes Temporão é médico-sanitarista e ex- ministro da saúde no governo Lula.