O SUS e o processo de envelhecimento populacional

José Luiz Telles e Ana Paula Borges

O fenômeno do envelhecimento populacional é mundial. No Brasil, a proporção de pessoas idosas ultrapassa 10%, o que representa, em números absolutos, mais de 20 milhões de pessoas com 60 anos ou mais de idade (Ministério da Saúde, 2012).

Tal fenômeno tem repercussões em todas as políticas públicas, em especial àquelas de proteção social, haja vista que esta parcela da população está sujeita a maior grau de vulnerabilidades sociais e de saúde.

O aumento da prevalência de doenças crônicas não-transmissíveis (DCNTs) está ligado ao envelhecimento demográfico o que, por conseguinte, pressiona o sistema de saúde tanto no âmbito de medidas preventivas quanto de cuidados em longo prazo. Dados comparativos da Pesquisa Nacional de Amostras por Domicílio entre os anos de 2003 e de 2008 atestam esta tendencia, em especial no aumento da prevalência de hipertensão e de diabetes entre a população idosa (Barros, 2011; Lima-Costa, 2011).

Nos últimos anos, o SUS ampliou consideravelmente sua cobertura populacional principalmente através da estratégia saúde da família. Este aumento de cobertura foi verificado também dentre a população idosa. Em dezembro de 2003 registrava-se o cadastramento de pouco mais de 5 milhões de pessoas com 60 anos ou mais pela estratégia saúde da família. Em abril de 2012, este número duplica chegando a 11.149.189 pessoas idosas.

Tal aumento truxe, como consequencia, a diminuição das internações, nesta faixa etária, por condições sensíveis à atenção primária (Macinko et al, 2010).
Entretanto, existem diferenças significativas na prevalência das DCNTs quando se compara a parcela da população coberta pelo SUS, com a que paga por algum tipo de plano de saúde. Estas desigualdades sociais na prevalência de condições crônicas seria segundo Barros (2011:3766), “dependente da ampliação da cobertura e da qualidade dos serviços de saúde, o que pode propiciar melhoria nos diagnósticos, no controle e no tratamento das doenças”.

Ressalta-se que, uma vez diagnosticadas em uma pessoa idosa, as DCNTs geralmente não admitem cura e, se não forem devidamente tratadas e acompanhadas ao longo dos anos, tendem a apresentar complicações e seqüelas que comprometem a independência e a autonomia do paciente (Ramos, 2003).

A ampliação dos serviços de atenção primária é necessária porém insuficiente para dar conta dos desafios do aumento do número de pessoas idosas em nosso país. Duas questões centrais emergem no atual cenário de atenção, pelo SUS, à esta parcela da população. Primeiro, a necessidade de qualificar os trabalhadores de saúde para melhor abordar as necessidades decorrentes do processo de envelhecimento. Em segundo lugar está a premência de se qualificar a gestão dos sistemas locais e regionais para que operem em rede.

Destaca-se que a qualificação dos profissionais que atuam na rede de atenção básica foi uma das ações prioritárias constantes no Pacto pela Vida (Ministério da Saúde, 2006). Desta pactuação resultou a implantação do Curso de Envelhecimento e Saúde da Pessoa Idosa, oferecido na modalidade a distância pela Escola Nacional de Saúde Pública/Fiocruz juntamente com o Ministério da Saúde. Desde sua implantação em 2008, foram formados mais de 800 alunos.Em dezembro de 2011 o Curso foi disponibilizado para download no Campus Virtual em Saúde Pública o que possibilitará sua adequação e utilização por qualquer Universidade ampliando, por conseguinte, o seu acesso.

A despeito de ser uma iniciativa inédita no campo do envelhecimento, torna-se necessária a avaliação dos impactos produzidos junto aos profissionais e na atenção prestada. Outra ação do Ministério da Saúde que cabe destaque é o Programa Nacional de Pró-Residência (áreas estratégicas), instituído em 2009 e que incentivou bolsas para residencias médicas em geriatria nas regiões com maior carência desta especialidade.

Entretanto, não basta apenas qualificar os profissionais se o usuário do SUS faz uma verdadeira peregrinação pelos diferentes pontos do sistema quando precisa de atendimento especializado ou acesso a meios diagnósticos de maior densidade tecnológica.

Nesta perspectiva, o aperfeiçoamento da gestão local e regional para que operem em rede é fundamental, melhorando o acesso e diminuindo os custos do próprio sistema. Nessa linha de atuação, a atenção materna-infantil recebeu, recentemente, priorização com o Programa Rede Cegonha. É de se esperar que a política atual do Ministério da Saúde de promover as redes de atenção à saúde seja devidamente apreendida pela área do MS responsável pela Política Nacional de Atenção à Saúde da Pessoa Idosa (Portaria Nº 2.528 de 19 de outubro de 2006) integrando os diferentes níveis de atenção e potencializando as iniciativas, já em curso, de qualificação dos profissionais nesta área.

Ademais, no caso da atenção à população idosa, as fronteiras se ampliam para além da rede de saúde. Outros nós nesta rede devem ser construídos na confluência de outras áreas de atenção, como a assistência social, esporte e lazer, educação, transportes etc. Situações de violência, isolamento social, instituições de cuidado de longo prazo, famílias disfuncionais são alguns exemplos os quais a saúde tem papel importante mas necessita de interação com outros setores no sentido de práticas integradas intersetorialmente.

Em última instância a expectativa de todos que apostamos na viabilidade do SUS é de que a oferta suficiente de serviços de qualidade possa, gradativamente, diminuir as iniquidades sociais nos riscos de incapacidades funcionais no segmento idoso da população brasileira.

José Luiz Telles é médico, pesquisador titular da Escola Nacional de Saúde Pública, Presidente do Conselho Nacional dos Direitos do Idoso na gestão 2008-2010 e atualmente exerce o cargo de Diretor do Escritório Regional da Fiocruz em África.

Ana Paula Borges é assistente social, Mestre em Gerontologia e atualmente é Coordenadora do Curso de Envelhecimento e Saúde da Pessoa Idosa da EAD/ENSP/FIOCRUZ.

 

eferencias Bibliográficas
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LIMA-COSTA, Maria Fernanda et al . Tendências em dez anos das condições de saúde de idosos brasileiros: evidências da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (1998, 2003, 2008). Ciênc. saúde coletiva, Rio de Janeiro, v. 16, n. 9, set. 2011 Disponível em http://www.scielo.br. Acesso em 15 de junho de 2012.
Macinko J, Oliveira VB, Turci MA, Guanais FC, Bonolo P, Lima-Costa MF. The Influence of Hospital and Primary Care Supply on Ambulatory Care Sensitive Hospitalizations Among Adults in Brazil, 1999-2007. American Journal of Public Health 2010. Disponível: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/22720869. Acesso em 15 de junho de 2012.
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Ramos, Luiz Roberto. Fatores determinantes do envelhecimento saudável em idosos residentes em centro urbano: Projeto Epidoso, São Paulo. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 19, n. 3, jun. 2003 . Disponível em http://www.scielo.br. Acesso em 15 de junho de 2012.
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