Onde foi parar o seu sonho?
Que fim levou o sonho daqueles que tiraram a roupa e mergulharam na lama em Woodstock?
Alberto Villas | Carta Capital
Sempre que começa um ano fico aqui pensando onde foram parar os sonhos das pessoas. Logo eu, que um dia sonhei morar numa casa ecológica no meio do mato e hoje vivo na maior cidade da América do Sul entre automóveis e arranha céus, buzinas, fumaças e cheiro de gasolina.
Gostaria de saber onde foi parar o sonho de Aretuza, que vivia escondida e clandestina no DCE de Belo Horizonte enquanto a sede da UNE na Cidade Maravilhosa ardia em chamas.
O sonho de Todinho, companheiro do Colégio de Aplicação que jogava nos policiais pedaços de paralelepípedos lá do último andar da Faculdade de Filosofia.
O sonho de Kaká, que um dia voou para Estocolmo com vontade de plantar morangos em troca de um punhado de coroas.
De Bebeto, que embarcou de bermuda e tamanco num vapor barato rumo à Grécia e nunca mais deu notícias.
De Azeitona, que abandonou os estudos em Belo Horizonte e chegou a Paris disposto a estudar Agronomia sonhando plantar café no sul de Minas Gerais.
De Elena, que queria porque queria zarpar para a África disposta a pegar em armas e lutar ao lado das companheiras do MPLA.
Gostaria de saber onde foi parar o sonho de quem dormiu no sleeping bag, de quem quase morreu de amor no Estácio, de quem botou o bloco na rua, de quem manteve a mente quieta, a espinha ereta e o coração tranquilo.
Gostaria de saber onde foi parar o sonho daqueles que, em Santiago do Chile , na calada da noite cantavam La Palmatoria ao lado de Victor Jara. O sonho daquela multidão na Praça da Revolução em Havana acompanhando Pablo Milanés cantando Amo esta Isla.
Gostaria de saber onde foi parar o sonho daqueles malucos que nas tardes de sábado sentavam no chão do Cine Pathé para assistir Easy Rider pela décima vez. O sonho daqueles que tiraram a roupa e mergulharam na lama em Woodstock. O sonho daquelas que queimaram sutiãs em praças publicas nos quatro cantos do mundo. Daqueles que estavam ali à beira da cama de John e Yoko em Amsterdam entoando Give Peace a Chance e daqueles que cantaram juntos Let the Sunshine In em Hair.
Sempre que começa um ano faço uma faxina na minha revistaria. Dessa vez caiu em minhas mãos um exemplar da antiga Argumento, um número que trazia um ensaio fotográfico primoroso de Ricardo Mendes.
“Qual é o seu maior sonho?”, perguntou ele no título. Baseado no trabalho do fotógrafo Martín Weber, que realizou a exposição A Map of Latin American Dreams, Mendes pediu a cada um que escrevesse numa pequena placa o seu maior sonho.
O que mais me impressionou foi o sonho de Bigode, o guardador de carros que trabalhava em frente à Livraria Argumento do Leblon. Ele escreveu simplesmente: “Encontrar Sueli”. Com certeza um antigo amor que ficou à beira do caminho perdido no tempo e no espaço.
Dei um Google e encontrei quase cinco milhões de citações para Sueli. Encontrei Sueli Costa, Sueli Catão, Aragão, Sueli Aparecida, Godim, Rutkowski mas nenhuma Sueli, simplesmente Sueli, que deixasse pistas de estar procurando desesperadamente um tal de Bigode, guardador de carros da Livraria Argumento.