ONU responsabiliza Equador e Nicarágua por violar direito de meninas estupradas ao aborto

Estados devem adotar medidas imediatas, incluindo a modificação dos marcos legais

O Comitê de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas responsabilizou o Equador e a Nicarágua por violações a direitos de meninas estupradas. “Obrigar as meninas a sofrerem gestações indesejadas é uma violação do direito de viver com dignidade e um ato equivalente a tortura”, afirmou o comitê, em decisão publicada nesta segunda (20/1).

Os Estados do Equador e da Nicarágua devem adotar medidas imediatas, incluindo a modificação dos marcos legais. O Comitê de Direitos Humanos ressaltou a necessidade de garantir acesso a serviços de Saúde Sexual e Reprodutiva, e de Justiça para as vítimas. No entendimento do Comitê, a omissão violou o Pacto Internacioal de Direitos Civis e Políticos. Os casos, que envolvem meninas de 12 e 13 anos, foram apresentados em 2019 pelo movimento latino-americano Ninãs, No Madres.

Para a médica Ana Costa, diretora do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes), “o sistema ONU está cumprindo o seu papel, de estabelecer um marco civilizatório na garantia de direitos humanos a meninas estupradas”. A decisão é um marco para a luta global de luta por Justiça Reprodutiva. “Esse tipo de decisão é extremamente importante em um momento que a extrema direita se reorganiza no mundo”, avalia.

Norma vs. Ecuador

Norma, de 13 anos, engravidou de um estupro cometido por seu pai, que havia sido denunciado por abusar de outras meninas. Apesar de expressar o desejo de interromper a gestão, foi obrigada a levar a gestação a termo e criar o bebê em situação de pobreza extrema.

Susana vs. Nicaragua

Abandonada pela mãe biológica ainda bebê, Susana foi abusada desde os 6 anos pelo avô. A menina, que não frequentava escola, engravidou aos 12 anos. Sua avó tentou, em vão, obter ajuda do sistema judicial, que ignorou os riscos à vida da menina. Susana foi obrigada a seguir com a gestação e revitimizada pelo Estado. O bebê de Susana é criado pela avó.

Lucía vs. Nicaragua

Lucía, de 13 anos, foi estuprada diversas vezes por um sacerdote. Embora tenha denunciado o abuso, nenhuma medida efetiva foi tomada. Obrigada a levar a gestação a termo, Lucía entrou em depressão, agravada pela violência obstétrica durante o parto. O bebê de Lucía é criado pelos avôs.

Brasil: Direito sob ataque

No Brasil, o estupro de vulnerável é um dos permissivos legais para a interrupção da gravidez. A violência é presumida na relação sexual com menores de 14 anos. O direito está sob ataques constantes. Meninas violentadas encontram barreiras à assistência e são com frequência revitimizadas pelos serviços de Saúde e pelo Judiciário.

A Resolução 258/2024 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) protege crianças e adolescentes vítimas de violência sexual, estabelecendo o fluxo de atendimento e o acesso ao aborto legal. A resolução prevê o treinamento de profissionais para identificar situações de violência sexual e a garantia de um atendimento rápido, sigiloso e livre de preconceitos, priorizando o cuidado e o respeito à vítima.

O Cebes integra o movimento Criança não é Mãe, e está entre os autores da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 989, que busca assegurar o atendimento imediato, seguro e humanizado vítimas de violência sexual, inclusive com oferta de contracepção emergencial, quando aplicável. Menos de 4% dos municípios brasileiros têm serviços especializados em interrupção gestacional com a composição multiprofissional preconizada pelo Ministério da Saúde.

Reportagem: Cebes/Clara Fagundes

Movimento latino-americano Niñas, no Madres (foto: Anistia Internacional)