Orgânicos em expansão

Correio Braziliense – 03/05/2012

Em 2011, o segmento movimentou R$ 50 milhões, com uma oferta de 5,7 mil toneladas de produtos. Embora as vendas cresçam entre 20% e 30% ao ano, os alimentos livres de agrotóxicos têm apenas 2,5% do mercado consumidor NotíciaGráfico

O mercado de orgânicos no Distrito Federal só não cresce mais rápido porque falta produção suficiente para atender à demanda. Ainda assim, os 208 certificados — a maioria agricultores familiares — movimentaram cerca de R$ 50 milhões em 2011. Neste último dia da série sobre o poder do campo brasiliense, o Correio retrata um segmento que avança entre 20% e 30% por ano. Frutas e verduras sem agrotóxicos e fertilizantes químicos deixaram de ter espaço somente em feiras especializadas e ganharam as prateleiras das principais redes de supermercado.

A produção agrícola orgânica ultrapassa 5,7 mil toneladas por ano, a maior parte de legumes. No caso de leite sem agrotóxicos, são produzidos algo em torno de 22 mil litros anualmente. As propriedades — com tamanhos entre 15 e 20 hectares, em sua maioria — estão espalhadas por todo o DF. Há áreas produtivas também no Entorno, em municípios como Padre Bernardo e Água Fria, ambas em Goiás. A produção orgânica garante entre três e seis empregos por hectare.

Com o apoio das empresas Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater), que têm seções dedicadas exclusivamente aos orgânicos, os produtores locais conseguem altos índices de produtividade em espaço reduzido.

Apesar do avanço nos últimos anos, eles querem maior acesso à capacitação para colher mais, sem afetar a qualidade dos alimentos nem deixar de respeitar os princípios da agricultura orgânica.

Em virtude do elevado padrão de renda e de informação, os brasilienses formam um promissor mercado consumidor de orgânicos. “Comprar e ingerir produtos mais saudáveis passou a dar um certo status. O orgânico virou grife”, comenta o proprietário da Fazenda Malunga e deputado distrital Joe Valle. Nas feiras do Plano Piloto, a produção sem agrotóxico é vendida em uma velocidade assustadora. Quem não chega bem cedo às feiras não consegue levar nada para casa.

Os orgânicos representam em torno de 2,5% dos alimentos vendidos no DF. A pretensão dos produtores é, em até 10 anos, alcançar a proporção de 30%. O cenário atual é considerado prematuro. Os brasilienses sabem o que são os orgânicos, procuram por eles, mas a produção e a comercialização ainda estão em fase inicial. “O certo é que não temos mais um nicho, agora se trata de uma tendência real e concreta de mercado em Brasília”, diz Joe.

Morango

Em 1992, o goiano Divino Fernandes Alves, 58 anos, começou a trabalhar com agricultura convencional em solo brasiliense. Quase 10 anos depois, decidiu recomeçar a vida no campo dedicando-se exclusivamente aos orgânicos, em uma área de 6,2 hectares no Núcleo Rural Alexandre Gusmão, em Brazlândia. “Cansei de mexer com veneno. Às vezes, eu não tinha coragem de comer o que eu plantava. Por que, então, ia continuar vendendo aquilo?”, comenta.

No primeiro ano, Divino perdeu 70% da receita. Sem insumos milagrosos, teve dificuldade em se adaptar ao novo processo. Hoje, é o maior produtor de morango orgânico da região. No ano passado, vendeu 15 toneladas do fruto: foram 50 mil bandejas distribuídas para o mercado do DF (90% para o Plano Piloto). Agora, faz planos para comprar mais uma chácara e ampliar a produção. “Ainda estamos numa fase inicial. Há muito espaço para crescimento”, diz.

O secretário de Agricultura e Desenvolvimento Rural do DF, Lúcio Valadão, exalta a produção orgânica local, mas também avalia que a comercialização é tímida diante do potencial existente. “É uma nova realidade que precisa ser trabalhada”, comenta, antes de destacar a necessidade de mão de obra especializada e de investimentos maiores por parte dos produtores. “Não basta convencê-los. É necessário que haja capacitação”, completa.

Supermercados

O interesse dos brasilienses por orgânicos impulsionou o surgimento de lojas especializadas e despertou o interesse das grandes redes de supermercados. Cerca de 70% de frutas, legumes e verduras de agricultura orgânica comercializados na rede Pão de Açúcar do DF, por exemplo, são fornecidos por agricultores locais, principalmente folhagens e saladas prontas para consumo. Os orgânicos representam 10% nas vendas desses itens.

No ano passado, o grupo criou uma seção virtual exclusiva para orgânicos, o provocou um aumento de quase 20% nas vendas, em comparação com 2010. “Percebemos que os consumidores estão mais atentos aos benefícios que os orgânicos trazem à saúde, mas também à produção sustentável e responsável”, comenta o diretor comercial do grupo Pão de Açúcar, Leonardo Miyao. Recentemente, a rede lançou uma linha de iogurte e sucos sem agrotóxicos.

Nível superior
Desde fevereiro de 2010, o Instituto Federal de Brasília (IFB) oferece no câmpus de Planaltina o curso superior de tecnologia em agroecologia, com duração de três anos. O currículo inclui aulas sobre o conhecimento da produção e de ecossistemas, legislação ambiental, a visão crítica das relações sociais de produção e a aplicação metodológica de princípios do desenvolvimento sustentável.

Marca local
A Malunga surgiu em 1985 e ocupa uma área de 129 hectares na região do Programa de Assentamento Dirigido do DF (PAD/DF). A produção de verduras, legumes, frutas, hortaliças e queijos orgânicos chega a 100 toneladas por mês. A propriedade, que tem 243 colaboradores, recebe cerca de 1,2 mil visitantes todos os anos, incluindo integrantes de comitivas internacionais.

Para saber mais

Comida saudável
Os orgânicos são considerados alimentos mais saudáveis, produzidos sem o uso de agrotóxicos, nem adubos químicos ou hormônios. O conceito está alinhado aos princípios de agricultura sustentável. Manejo orgânico do solo, diversidade de culturas e adubação verde são algumas das técnicas empregadas. Produtores salientam que, de acordo com pesquisas, esses alimentos possuem até 40% mais antioxidantes, o que diminui os riscos de câncer e de doenças do coração. O leite orgânico pode conter até 80% mais antioxidantes que o tradicional, ainda segundo estudos.

Falta logística para elevar o lucro
Produtores de orgânicos do DF poderiam lucrar até 20% mais se resolvessem problemas básicos de logística. Uma dissertação de mestrado defendida por Feruccio Branco Bilich no ano passado, na Universidade de Brasília (UnB), constatou que gargalos no transporte da mercadoria e o uso de embalagens inadequadas dão prejuízo ao agricultor. Após dois anos de estudo, o pesquisador concluiu que falta interação entre os produtores, que se organizam somente na hora de vender. Perdas, de acordo com a pesquisa, ocorrem, ente outros motivos, pela falta de planejamento.