Os problemas de gestão do SUS decorrem também da crise crônica de financiamento?

Por Carlos Octávio Ocké-Reis

A Constituição de 1988 previu um modelo de financiamento adequado para garantir a cobertura universal? A partir da criação do Orçamento de Seguridade Social (OSS) esperava-se, ao menos, por meio do alargamento e diversificação da base de financiamento, superar a fragilidade do modelo prévio de seguro social – financiado com base na folha de salários.

A necessidade de superar o gargalo do financiamento público do setor público, entretanto, foi interditada no seu nascedouro com o desmonte do OSS, dado que os 30% indicados nas disposições transitórias da Constituição foram derrubados, anunciando uma longa crise crônica de financiamento do SUS (Marques e Mendes, 1999).

Nesse quadro, refém da dívida pública, a política fiscalista do governo (Castro et al., 2008) inibiu acentuadamente o nível do gasto público em saúde no Brasil, dificultando que o SUS assegure o acesso universal e integral, mas também supere seus problemas de gestão. Mas se a gestão do SUS pode ser melhorada, este argumento não pode ser usado como mote para a adoção de um controle indiscriminado de custos.

Este ponto de vista pode ser sustentado a partir da discussão do próprio conceito de eficiência. Eficiência pode ser entendida como a relação entre o valor dos recursos consumidos e os resultados obtidos. Logo, as medidas de eficiência podem mensurar quanto poderia ser produzido com os recursos existentes ou quais recursos deveriam ter sido consumidos para atingir determinado resultado. Tais avaliações são importantes na área da assistência à saúde, onde a eficiência é mensurada pela eficácia do tratamento e não por um simples mecanismo de mercado (Marinho e Façanha, 2001).

O Banco Mundial acredita que “aumentar a eficiência e efetividade no uso dos recursos de saúde para conter o aumento dos custos talvez seja o maior desafio posto para o sistema de saúde brasileiro” (Banco Mundial 2007). Sem dúvida, é necessário melhorar a eficiência do SUS; é necessário aumentar tanto os gastos sociais quanto garantir uma alocação eficiente (Mussi e Afonso, 2008). Afinal, quem argumentaria contra a introdução de um programa governamental ou serviço hospitalar mais barato, abrangente e eficaz?

Contudo, o que está por detrás desta tese do Banco Mundial? Identifica-se de forma pouco criteriosa o conceito de eficiência com medidas de contenção de custo, sem responder se a suposta ineficiência do SUS pode ter sido causada pelos escassos recursos públicos de custeio e investimento aplicados no sistema (Marinho, 2004). Na mesma linha, alguns analistas acreditam que o SUS já gasta o suficiente e que agora bastaria otimizar o gasto, por exemplo, aumentando a taxa de ocupação de leitos ou reduzindo os gastos hospitalares – por meio da expansão e melhoria da medicina preventiva e os serviços ambulatoriais (Pinheiro, 2008).

Se otimizar o gasto é desejável e se a adoção de tais medidas são meritórias da ótica da organização do sistema e da perspectiva da qualificação da atenção médica, seu êxito pode prescindir – ao contrário – da ampliação dos recursos financeiros. Além do mais, no mundo dos negócios ou da administração pública, poderá sempre haver um certo nível de ineficiência extrapolada pelas idiossincrasias gerenciais, imprecisão das metas ou alvos  organizacionais (Marinho e Façanha 2001).

Desse modo, a indagação correta a ser feita é: a contenção dos custos de maneira indiscriminada não poderia agravar os problemas de gestão do SUS e o próprio combate da alegada ineficiência sistêmica? Na verdade, o incremento da eficiência não deve ser tomado como desculpa para cortar recursos financeiros ou  organizacionais do SUS, bem como as filas em um sistema universal de saúde não podem servir para restringir o acesso.

A rigor, considerando o custo de oportunidade relativo à alocação de recursos para a saúde (considerando sua destinação a outros setores sociais), a melhor prática se pareceria com aquela ação racional realizada para ‘valorizar o dinheiro’ na execução dos serviços médico-hospitalares, prestados para garantir e melhorar as condições de saúde da população (melhor alocação, incentivos contratuais, meio-ambiente e tecnológico adequado, incremento da produtividade, corte de desperdícios, combate à corrupção etc.).

Resumindo: a adoção de medidas de eficiência capazes de levar a melhores práticas não pode servir de base para se cortar o nível de recursos financeiros ou organizacionais do SUS; pelo contrário, a melhoria da eficiência pode, na realidade, exigir o aumento dos gastos (Marinho e Façanha, 2001).

Se parece aceitável reivindicar mais recursos para o SUS, na perspectiva inclusive de melhorar a gestão, seu crescimento, por meio da ampliação dos gastos públicos, tem meios limitados, e desse modo o governo não pode fechar os olhos diante da tendência de custos crescentes da assistência médica (Remler et al., 2005).

Ainda assim, a proposta de uma nova fonte de financiamento estável e abrangente, defendida por amplos setores da sociedade e das instituições de Estado (Ipea, 2008), parece um caminho viável para atenuar a contradição entre o modelo redistributivo descrito na Constituição do Brasil e o nível de gasto público no Brasil.

Confira o estudo, na íntegra, publicado na revista Trabalho, Educação e Saúde, clicando aqui.

(v. 6 n. 3, p. 613-622, nov/2008).

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