Os sem saneamento
O Globo – 15/07/2012
A Rio+20 já é passado… E infelizmente um passado nada animador, nem para o Brasil quanto mais para o planeta. Por aqui, a prova mais concreta de que temos que voltar nossos olhos para nosso universo de pais sócio e ambientalmente atrasado são os mais novos indicadores sobre o avanço do saneamento básico no Brasil, publicados pelo Ministério das Cidades.
Numa rápida interpretação de como anda o país no que há de mais básico em atendimento ao cidadão, ou seja, no acesso a água tratada, coleta e tratamento dos esgotos, vemos que 2 em cada 10 brasileiros ainda não recebem água potável. Na Região Norte são 4 pessoas em cada 10, e no Nordeste, 3 em 10, ou seja, uma distorção enorme quando comparado ao Sudeste, onde mais de 90% das pessoas possuem o serviço.
Apesar dos números de acesso a água potável serem alarmantes, o que dizer dos índices dramáticos do atendimento em coleta dos esgotos? É absurdo e incrível, mas pelos números divulgados para 2010 no Brasil 54% da população ainda não são atendidos por coleta de esgoto. De 2009 para 2010, mesmo com uma maior cobertura da imprensa e debates com autoridades, conseguimos progredir apenas a inexpressiva cifra de 1,7 ponto percentual.
O que dizer de uma taxa de crescimento tão pequena quando falamos de uma carência básica de décadas, cuja falta traz contaminação brutal às águas, com doenças e gastos enormes à saúde pública dos cidadãos e municípios brasileiros?
Esta chaga do Brasil é social, mas derivada de uma gigante poluição ambiental. Do pouco esgoto que se coleta no país, os dados divulgados mostram que somente 38% são tratados, ou seja, a continuar neste ritmo a grande maioria dos esgotos do país continuará sendo jogada na natureza da forma que saem dos nossos banheiros. São bilhões de litros jogados in natura por dia sem tratamento nos rios, bacias hidrográficas, lagoas e aquíferos brasileiros.
Mesmo nas áreas urbanas, sempre mais bem atendidas pelos serviços de infraestrutura, as estatísticas também são ruins para o saneamento. Nelas a água tratada chega a 92% das pessoas (72% na Região Norte) e somente 53% possuem coleta de esgotos (26% na população urbana do Nordeste). Esta carência do saneamento, associada a grande proximidade das pessoas com os resíduos nas áreas mais adensadas, tem causado cada vez mais surtos de doenças, principalmente no verão, e tendo as crianças como as maiores vitimas.
É possível dizer que o Brasil continuará a ser comparado, nos indicadores sociais e IDH – Índice de Desenvolvimento Humano -, muito mais com países africanos e asiáticos do que com os países desenvolvidos.
Há crescimento destes serviços? Sem dúvida que há. O Governo federal tem feito um esforço pela melhoria do saneamento, principalmente colocando recursos significativos através do PAC, mas empresas e cidades não têm conseguido usar estes recursos em sua plenitude.
Em 2010 a soma dos investimentos em saneamento se aproximou dos R$ 9 bilhões, o que significou um avanço de R$ 1,1 bilhão comparado com os R$ 7,8 bilhões de 2009. Apesar disso, o valor investido está muito longe da necessidade do país, que deveria estar aplicando entre R$ 15 bilhões e R$ 17 bilhões por ano, para cumprir a meta do Plano Nacional de Saneamento Básico, que é levar água e tratar os esgotos até 2030.
A frieza dos números mostra ainda um cenário injusto nacionalmente, uma vez que aumenta a cada dia a distância entre o atendimento ao cidadão nas diversas regiões, com destaque para o avanço forte do Sudeste, onde mais de 70% das pessoas já têm coleta de esgotos. Mesmo esta região, mais poderosa e organizada, não escapa dos péssimos números em tratamento do esgoto coletado (41% somente).
Avanços estão ocorrendo, mas insuficientes para a velocidade que o Brasil precisa em saneamento básico. Ainda existem mais de 2.800 cidades que sequer enviam suas informações sobre a situação dos esgotos, o que mostra o despreparo e falta de transparência de muitas autoridades.
ÉDISON CARLOS é presidente do Instituto Trata Brasil.