PARA 55% GRAVIDEZ NÃO É PLANEJADA
O Globo – 20/02/2012
GRAVIDEZ NO SUSTO
Pesquisa da Fiocruz com 22 mil mulheres mostra que o planejamento familiar não é rotina: só 45% das entrevistadas, pacientes das redes pública e privada, queriam realmente engravidar. Para as 55% restantes, a gravidez veio por desinformação, descuido ou falha nos métodos contraceptivos. Cerca de 20% das mulheres percorreram mais de um hospital até conseguir vaga na hora do parto. Com o pré-natal quase universalizado, acesso ao planejamento familiar ainda é precário Enquanto o pré-natal está praticamente universalizado no país, o acesso ao planejamento familiar ainda é precário, revela pesquisa ainda em fase de elaboração, coordenada pela Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz. A consulta, iniciada há dois anos e baseada em entrevistas e coleta de informações de 22 mil mulheres, mostra que só 45% queriam realmente engravidar. Na comparação por regiões, no Norte, o percentual cai para 40% e no Sul, sobe para 49%, no Centro-Oeste, é de 44% e no Sudeste, 46%. No Brasil, apenas 1,2% não fez pré-natal, segundo a pesquisa. — Isso é algo muito sério. Significa que nossa população não está programando a concepção.
Ela ocorre por acidente. É ótimo que o pré-natal tenha atingido esse nível, mas chama atenção que a contracepção não está recebendo a mesma atenção do sistema público de Saúde. Não está com a mesma oferta, e isso se reflete nos números de aborto no país — avalia Maria do Carmo Leal, coordenadora da pesquisa, encomendada pelo Ministério da Saúde. Mãe de três crianças entre 5 anos e 8 meses, a mineira Gracieli Campos, de 30 anos, casada há 7 com Mizael Campos, de 48, planejou a gravidez dos dois primeiros filhos. O caçula Henrique foi um “baque”e mudou a rotina da família que vive na Tijuquinha, perto do Rio das Pedras, no Rio. Gracieli teve que deixar o emprego: — Eu usava camisinha, mas estourou. Eu me arrependi de nunca ter usado outros métodos, mas nenhum médico nunca me explicou como funcionavam. Nem quando tive os dois primeiros, eles me orientaram. Sempre me deram só camisinha — conta ela, que esperou dois dias num hospital municipal do Rio para ter o bebê: — Achei que ia morrer e o bebê também. O hospital estava lotado, eu passei muito mal, o médico me deixou numa cama e só me levou para fazer cesárea quando eu estava com 40 graus de febre. Tive muito medo. Óbito materno: 11% por aborto l Mãe de um menino de 16 anos, a publicitária Sunny Barroso, de 39 anos, também teve uma surpresa: se viu grávida antes do planejado. — Estávamos programando para daqui a um ano, mas esqueci de tomar a pílula umas duas vezes e engravidei — conta Sunny, aos cinco meses e meio, ao lado do namorado, o publicitário Luciano de Novaes, de 40 anos, com quem foi morar. No Brasil, o índice de mortalidade materna ainda é alto. De acordo com o Ministério da Saúde, o país registra 68 mortes para cada 100 mil nascidos vivos. Até 2015, se for cumprir o que assumiu com a ONU, o país precisa registrar 35 mortes para cada 100 mil nascidos vivos. Atualmente, a estimativa é de que 11% dos óbitos maternos no país estejam ligados a abortos. E que uma em cada quatro mulheres já tenha abortado. — Quando o Brasil pensou em planejamento familiar, pensou em diversidade de métodos. Mas a parte educativa, o aconselhamento ainda não chega às mulheres — diz Paula Viana, do Grupo Curumim: — Falta orientação, o que leva muitas vezes ao aborto inseguro e a um outro problema: a mulher que aborta e vai ao SUS é, muitas vezes, punida pelos profissionais de saúde. É como se ela merecesse sofrer por ter abortado, além de sair da rede sem ser orientada para não engravidar de novo. O planejamento só vai ser universalizado quando for feito também no pósparto e no pós-aborto. O secretário de Atenção à Saúde do Ministério da Saúde, Helvécio Magalhães, reconhece que é preciso mais informação e mais oferta de métodos contraceptivos, além de uma mudança no atendimento à mulher. — É fundamental que as equipes de saúde expliquem os métodos, que falem uma linguagem que possa ser entendida por todas. Ter trazido essa questão para a agenda central do governo vai ajudar a universalizar o acesso aos métodos contraceptivos e isso vai impactar na taxa de mortalidade materna. A meta é até 2014 ter universalizado o planejamento familiar — conta Magalhães. — Sobre aborto, temos um marco legal que parece que não será mudado. Mas reconhecemos que é um problema de Saúde Pública.
Nossa saída para isso é informação. Mas não vamos concordar com a punição que os profissionais de saúde impõem às mulheres que fizeram abortos ilegais ou não. Vamos endurecer a campanha para que não haja discriminação. É direito delas ser bem tratadas tendo ou não abortado. E é importante que sejam orientadas para não engravidarem de modo indesejado de novo. Um outro percentual chama a atenção: cerca de 20% das entrevistadas percorreram ao menos um hospital até conseguirem um leito para o parto. A saga para as mães é mais intensa em capitais (25%) do que no interior (17%). O maior percentual é na Região Nordeste (20%) e o menor, no Sul (9%). — São as grávidas peregrinas, que enfrentam uma dificuldade tremenda na hora em que deveriam ser mais festejadas — afirma Maria do Carmo. Foco de políticas públicas do governo, como a Rede Cegonha, o alto número de cesarianas foi confirmado pela pesquisa: entre as entrevistadas, 53% fizeram a intervenção cirúrgica, contra 47% que fizeram o parto normal. De acordo com a pesquisadora da Fiocruz, os dados mostram “o país na contramão dos países desenvolvidos”. — Está aumentando a prematuridade, muitas vezes associada à cesariana. As cirurgias são agendadas sem que a mulher entre em trabalho de parto. Às vezes muito antes da hora correta.
O primeiro aspecto é que nossa cultura desqualificou o parto como algo natural. Virou algo médico apenas. Os cursos de Medicina não preparam para o parto natural — avalia a professora Daphne Rattner, do Departamento de Saúde Coletiva da Faculdade de Ciências da Saúde da UnB, coordenadora da pesquisa no Centro-Oeste. Encomendada pelo Ministério da Saúde, a pesquisa reúne consultas a prontuários e entrevistas diretas com as mães, na rede pública e privada, em hospitais que fizeram mais de 500 partos por ano. Ao todo, foram feitas consultas em 191 cidades, em 266 estabelecimentos. Um dado considerado positivo foi o percentual de mulheres que conseguiram ficar com acompanhantes durante o parto: 75%. Além da pesquisa, o ministério vai “ligar, a partir de junho, para todas que tiveram seus bebês pelo SUS”. — Queremos saber como foram tratadas, se houve planejamento familiar, se ficaram satisfeita, se fizeram as consultas do pré-natal. A ideia é rastrear a assistência obstetrícia para termos um relatório do que acontece em todos estados e, a partir daí, dialogar com os gestores — conta Magalhães.