Para Lúcia Souto a CPI da Pandemia está ajudando a pressionar por mais vacinas contra a covid-19
A presidenta do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (CEBES) Lúcia Souto falou na manhã dessa quarta-feira (16) com a jornalista Marilu Cabañas, do Jornal Brasil Atual, sobre a situação da pandemia de covid-19 no Brasil. Veja a seguir parte da conversa transcrita.
Estamos chegando a marca de meio milhão de mortos por covid, a vacinação continua lenta, o Brasil tem cerca de 1,5 milhão de pessoas que poderiam estar vacinadas, mas que escolheram não se vacinar. Qual é a sua análise em relação a esse quadro atual da pandemia, com leitos de UTI chegando a seu limite a vários locais do País e também a não adesão dessas pessoas a cima de 60 à vacinação.
Governo vem trabalhando com projeto cujos os resultados estão aí: meio milhão de mortos. É provável que até o final do ano a gente tenha mais 450 mil mortes. É uma situação crítica que o Brasil continua vivendo, fruto desse projeto premeditado.
Isso é fruto desse projeto. É a primeira vez que um ministério da saúde, ao longo de toda história de enfrentamento de pandemias, epidemias no Brasil, não faz nenhuma campanha de orientação, de esclarecimento, de convencimento da população a respeito da importância da vacina, mostrando que essa é uma medida que precisa ser coletiva.
O governo deveria estar liderando o esforço coletivo no Brasil para o enfrentamento da maior calamidade da história do País. Não só não está fazendo isso como produzindo esse tipo de resultados que as pessoas desconfiarem da vacina.
Muitos fragmentos (sobre os bastidores do enfrentamento à pandemia) que estavam antes invisíveis para a população estão sendo reunidos na CPI – que está tendo grande audiência. A população está podendo se informar e mostrando os resultados dessa política premeditada.
Esse governo o tempo todo tentou desqualificar a vacina mas não conseguiu. A população quer viver, quer tomar sua vacina, mas o tempo todo está sendo sabotada ativamente pelo governo do genocídio.
Com relação ao número de casos: há um recrudescimento da pandemia no Brasil. O número de 11% de vacinados com as duas doses é muito pequeno. O Brasil refutou, recusou, sabotou, a vinda das vacinas lá atrás. Hoje, sabemos o porquê: os inúmeros contatos que Pfizer tentou fazer e o governo Bolsonaro recusou. A sabotagem em relação à China, que interferiu em relação a vacina, ao Butantan e também à Fiocruz – que vão conseguir manter o cronograma com muito esforço.
Esse percentual de vacinação ainda é pequeno. É um problema e é responsável pelo recrudescimento da pandemia. Não há vacinação num patamar com a celeridade necessária. Não há nenhum apoio substantivo à política de lockdown ou de restrição de movimentação com auxílio emergencial de R$ 600 – que estamos colocando na pauta desde o final do ano passado – como também com auxílio econômico à economia brasileira que pode ser dado aos pequenos e médios empresários para que o Brasil atravessasse essa situação turbulenta.
O governo não pega os recursos que o País produz para sustentar o próprio País nessa travessia. Os resultados estão aí. Vão se agravar, infelizmente.
Mas estamos trabalhando. A CPI está utilizando nossos documentos. Um deles é o Plano Nacional de Enfrentamento à Covid-19, que foi citado até pelo relator Renan Calheiros. Estamos vendo que isso poderá ser um ponto de inflexão importante: a partir desse conhecimento a gente consiga reunir forças para tirar esse personagem da presidência da República. Com ele, não vamos conseguir ter um êxito que o Brasil poderia ter (no enfrentamento a pandemia).
Outra coisa que está cada vez mais nítida graças a pesquisadores que estão tendo oportunidade de se expressar nesse momento: no Brasil teria 70% de mortes evitáveis. Isso é muito grave. O governo produziu mortes nesse País e mais de 70% teriam sido evitadas.
É um cenário que instiga a cada um de nós a uma responsabilidade muito grande. Vamos continuar com tantos crimes já vindo à tona? São crimes de responsabilidade acumulados.
Não podemos mais tolerar esse tipo de coisa. O Brasil pode ser muito melhor que isso. Podemos imaginar um País muito melhor. Já tivemos um País muito melhor que isso. É hora de um levante da população brasileira no sentido de nos apropriarmos de novo desse País incrível, dessa nação com tanta riqueza, que poderia estar produzindo bem-estar, universalizando políticas públicas como o SUS, que está totalmente desfinanciado. São políticas públicas estratégicas para o País viver melhor, com mais alegria.
O povo brasileiro está com sofrimento de dimensões épicas. São traumas enormes. todos nós perdemos amigos, companheiros de trabalho, colegas, parentes. Todo mundo perdeu alguém nessa pandemia.
Estamos com uma associação Vida e Justiça que é exatamente para trabalhar no sentido dos impactos que serão gigantescos, dos órfãos da pandemia, das inúmeras famílias desestruturadas porque perderam aquele que assegurava as condições de vida daquela família. É uma situação muito crítica que nós vamos ter que criar e fazer esforço de reconstrução muito grande e ainda vivendo esse recrudescimento da pandemia. É um momento de dar uma virada. O Brasil tem o SUS, experiência.
Muitos de nós já dizia há um ano e meio que o Brasil poderia estar dando exemplo para o mundo no enfrentamento à pandemia, como foi com a H1N1. E, no entanto, estamos sendo essa tragédia que a população brasileira está sofrendo por conta de um governo genocida, criminoso, que está impingindo essa tragédia à população.
Vou para a CPI da Covid. Tivemos depoimento ontem do secretário de Saúde do Amazonas Marcellus Campelo. Ele disse que procurou o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello antes da crise de falta de oxigênio, dia 7 de janeiro – o Pazuello disse que foi procurado dia 10, a Mayra Pinheiro dia 8. Explicou a necessidade de apoio logístico para trazer oxigênio de Belém a Manaus. Disse que procurou o Comando Militar da Amazônia por orientação do ministro para fazer esse trabalho logístico. Afirmou que a intermitência de oxigênio durou 2 dias: 14 e 15 de janeiro. Justificou que a oferta de oxigênio foi comprometida por uma questão de mercado, de demanda – lei da oferta e procura – já que a White Martins atendia as redes pública e privada. Só que a CPI tem documentos que comprovam que a White Martins alertou o Estado do Amazonas que o estoque de oxigênio fornecido ao Estado não suportaria um colapso na Saúde Pública. Isso foi em Julho, portanto 6 meses antes da crise.
Quero que você comente: não foi assustador ver uma pessoa tão despreparada para um cargo público na área de saúde? Foi como o senador Eduardo Braga falou, ele resumiu bem: houve colapso naquele estado por incompetência, falta de planejamento e falta de compromisso com a população. Queria que você que sempre fala da importância do SUS: como viu esse depoimento e o despreparo desse cidadão e também nas mãos de militares? Foi pedir para o Comando Militar da Amazônia, não deu. Pediu para o General Pazuello, não teve resposta. São militares em cargos-chave. Como você analisa esse depoimento do secretário de saúde, que está investigado?
É um ultraje ter uma personagem como Marcellus. Mais do que incompetente é um grande mentiroso, é irresponsável. Ele foi treinado para dizer aquelas mentiras e isso escancara a profundidade do problema no Amazona e Manaus.
Essa questão que você levantou: a própria White Martins já advertia desde Julho que o estoque de oxigênio estava num liminar perigosíssimo. Uma coisa que está ficando clara na CPI: aquela região foi um laboratório para o chamado falso tratamento precoce, onde a capitã cloroquina foi inundar o Amazonas com “tratamento precoce” enquanto a população não tinha oxigênio.
Nesses dois dias todo mundo acompanhou em rede nacional e internacional a situação caótica em Manaus que comoveu o mundo inteiro. Gerou revolta no mundo inteiro a situação crítica que o Amazonas. Ele veio ontem na CPI colocar uma mentira desse tamanho. Sabia há muito tempo. É um irresponsável, não temos a menor condição de termos como secretário de Saúde de um Estado uma pessoa com esse tipo de despreparo.
É uma situação que revela em que mãos que o Brasil e aquele Estado ficou. É uma situação que precisaria de uma pessoa com compromisso com sua população e com o SUS. Ele dizer que é uma questão de mercado? Ele é responsável por toda rede pública e privada. O comando único é do SUS. Ele deveria estar acompanhando toda a rede. Ele falseia como se alguém fosse cair numa conversa delirante e mentirosa, tanto que ele conseguiu unificar a base de governo e oposição contra ele. Isso mostra o tamanho do problema que ele significa. Ninguém quer ser associado com uma situação extrema de morte.
Quem não se lembra da cena de falta de lugar para enterrar os mortos? Quem não se lembra das pessoas implorando por um cilindro de oxigênio? Quem não se lembra desses momentos que toda a população brasileira e todo mundo acompanhou? Ele ter essa desfaçatez de dizer que foram só dois dias… É o tipo de situação que não dá mais para ficar impune. É necessário que a sociedade tenha capacidade de dar um basta.
É uma expressão a nível local de uma situação que o Brasil está enfrentando a nível nacional. A CPI está sendo didática. Acho que cada depoimento desses nos trás revolta e, ao mesmo tempo, o panorama do que aconteceu e ainda está acontecendo no Brasil. Não é passado. Infelizmente é presente.
Estão usando muito as imagens daquele pânico porque humaniza a CPI. Acaba passando a limpo e escancarando aqueles tipos de pessoas. Quando a Eliziane Gama deu o resumo do que aconteceu foi de chorar. Imagina as pessoas que perderam entes da família e amigos vendo aquilo? É revoltante.
Você que é do Rio de Janeiro e conhece o governo Wilson Witzel, o depoente de hoje. Mesmo com a decisão do ministro Kassio Nunes, do STF, ter beneficiado o ex-governador com habeas corpus, WW disse que vai sim. Será que vai fazer acusações contra o governo federal? Qual é a sua expectativa?
Não tenho muita expectativa porque o Wilson Witzel em várias oportunidades disse que ia falar, disse que tinha denúncias pra fazer, mas ficou em silêncio. Talvez com o palco da CPI ele coloque cartas na mesa que ainda não colocou. Mas foi uma figura desastrosa junto com aquela construção do golpe que foi a eleição de 2018 – cujos bastidores sabemos muito pouco.
Não sei o silêncio vale mais para ele do que a verdade e colocar a tona tudo que sabemos que ele sabe. Porque o Rio de Janeiro é o lugar que esse tipo de organizações criminosas milicianas estão sem nenhum limite, sem impunidade. É uma situação crítica do Rio de Janeiro porque é a ausência de políticas públicas para valer nas áreas vulnerabilizadas.
Se ele quiser recuperar o mínimo de reputação nesse processo, deveria colocar na mesa o que sabe. Sempre fica uma interrogação no ar: ele terá condições? Qual é o contexto das ameaças?
É uma situação delicada. Sempre ficamos na expectativa e espero que ele consiga colocar minimamente com o mínimo de veracidade na questão da CPI hoje. Minha expectativa não é grande. Ele teve tempo para colocar as coisas que sabe e não as colocou. Pode ser que hoje estimulado por palco maior tenha o estímulo para fazê-lo.
Governador do Maranhão vai sortear prêmio para quem se vacinar contra a covid-19. Parece que está uma disputa saudável entre governadores para ver quem vacina mais.
Disputa extremamente saudável. Outra questão que a CPI está incentivando é o tensionamento para as vacinas chegarem mais rápido.
Nessa tensão criada pela sociedade brasileira que quer se vacinar, a repercussão desses estados com Governadores cumprindo com as responsabilidades estão criando formas criativas de sensibilizar a população, porque sabemos que vacina é estratégia coletiva. Então é importante esse estímulo porque quanto mais pessoas aderirem processo de vacinação mais rapidamente o Brasil poderá entrar num patamar de controle de pandemia. É saudável.
Vamos falar do levante da população? Passa pelas eleições de 2022. Tivemos manifestação em Maio, com distanciamento e máscaras. Como seria esse levante?
Acho que desde 29 de Maio a população mostrou que, com todo cuidado – e nós da Saúde Coletiva vimos as pessoas distanciadas, com máscara – a vontade de manifestação e da indignação da população brasileiro.
É um espírito que está permeando a América Latina e começa a entrar pra valer no Brasil. Vimos nos EUA com Trump derrotado, vimos em Israel e também novidades no mundo com relação a extrema-direita. A população está vendo o preço altíssimo que estamos pagando por esse governo de extrema-direita, negacionista.
A população brasileira tem tradição de luta. E nesse momento, no dia 19 de junho, tudo mostra que será maior ainda que a muito bem sucedida do dia 29 de maio. O povo retoma as ruas e povo na rua é sempre alentador. Brasil pode ser de novo para brasileiras e brasileiros.
Esse levante é bem vindo!
Veja o depoimento de Lúcia no link ou a seguir: