Para Lúcia Souto, violência política no Brasil é ‘como uma pandemia’

A presidenta do Cebes e pesquisadora da Fiocruz, Lúcia Souto, deu uma entrevista à Folha de S. Paulo para falar sobre violência política funciona como gatilho para depressão e ansiedade na população. Segundo Lúcia, “violência geral é um grande problema de saúde pública no Brasil“. Para ela, enquanto “a violência da criminalidade impacta a dinâmica das famílias, a violência entre os partidos pode contaminar os apoiadores“. Veja a matéria na íntegra a seguir.

Violência política é gatilho para depressão e ansiedade na população

Estudo brasileiro de 2019 mostra que atos favorecem o surgimento de distúrbios mentais

Embora a violência política tenha como alvo principal lideranças ou pessoas com participação política ativa, estudos mostram que o aumento desse tipo de violência também impacta a saúde mental da população em geral.

Um trabalho publicado em 2019 por pesquisadores brasileiros, no primeiro ano do governo Bolsonaro, aponta que esse tipo de violência pode ser um gatilho para transtornos como depressão, ansiedade e uso de drogas mesmo naqueles que não foram alvos dos ataques.

Para Modesto Leite Rolim Neto, professor de medicina da UFCA (Universidade Federal do Cariri) e um dos autores do estudo, esse tipo de violência aumenta a sensação de insegurança e angústia da população, o que favorece o surgimento de distúrbios mentais.

O estudo também aponta que a violência favorece o aumento de problemas com autoestima, intolerância e agressividade.

Violência política são formas físicas e psicológicas de agressão contra atores políticos para impedir que determinados grupos tenham acesso a representação política adequada. Dados do observatório da Violência Política e Eleitoral apontam que no primeiro semestre de 2022 foram registrados 214 desses casos. Apenas no segundo trimestre, 19 desses casos foram homicídios.

Leandro Valiengo, médico do instituto de psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo), observa isso na clínica. “Alguns pacientes acabam tendo mais quadros de ansiedade e raiva descompensadas por esse quadro de tensão constante“, diz ele.

Um estudo realizado nos Estados Unidos durante o governo Trump mostrou que a política foi um fator determinante para o estresse da população entre os anos de 2017 e 2020. Segundo o estudo, os entrevistados reconheceram a política como um fator para a perda de sono, para a ideação suicida e o uso não moderado de redes sociais.

Outro trabalho também relacionou a violência política a um estado semelhante ao de transtorno de estresse pós-traumático.

Na última semana, pelo menos duas mortes com suspeita de motivação política foram registradas no país, uma no Ceará e outra em Santa Catarina.

Para Lucia Souto, médica sanitarista da Fundação Oswaldo Cruz e presidenta do Cebes (Centro Brasileiro de Estudos de Saúde), a violência geral é um grande problema de saúde pública no Brasil.

De acordo com a médica, o problema pode ser encarado como uma pandemia. Assim como a violência da criminalidade impacta a dinâmica das famílias, a violência entre os partidos pode contaminar os apoiadores.

Ainda de acordo com ela, são vários os impactos e consequências da violência política. O mais óbvio é a dor causada pela perda física de familiares, amigos e atores políticos importantes, mas também existe um fator coletivo, como o impacto a saúde mental na população geral.

Essa violência cotidiana causa medo e uma sensação generalizada de insegurança. Segundo a médica, essa tensão impede que as pessoas se sintam livres e exerçam criatividade, o que aumenta os quadros de ansiedade.

Segundo a Cartilha sobre violência política e violência política contra as mulheres, disponibilizada pelo MPF (Ministério Público Federal), as principais vítimas são os grupos políticos sub-representados – mulheres, pessoas negras, pessoas com deficiência, comunidade LGBTQIA+, quilombolas e indígenas. O impacto subjetivo sobre esses grupos também é maior.

Para Neto, autor do estudo brasileiro, a violência política é uma maneira de silenciar essas populações, fazer a manutenção da marginalidade e causar mais sofrimento.

Outro artigo científico publicado no início deste ano mostrou que pessoas de orientações sexuais minoritárias, como gays, lésbicas e bissexuais são mais sujeitas a transtornos mentais do que a população em geral. Para Valiengo, a violência política pode ser um agravante para esse quadro.

Ainda de acordo com ele, a empatia e o esforço ativo para tentar entender o outro pode ser uma maneira efetiva de, como sociedade, diminuir a violência e atitudes extremistas, bem como a maior conscientização sobre saúde mental.

Para Souto, a solução está na política. “Não é possível construir uma sociedade saudável sem democracia“.