Participação popular e o controle social como diretriz do SUS: uma revisão narrativa

De Leonardo Barbosa Rolim, Rachel de Sá Barreto Luna Callou Cruz e Karla Jimena Araújo de Jesus Sampaio

Os movimentos sociais ocorridos durante a década de 80 na busca por um Estado democrático aos serviços de saúde impulsionaram a modificação do modelo vigente de controle social da época que culminou com a criação do SUS a partir da Constituição Federativa de 1988.

O objetivo deste texto é realizar uma análise deste modelo de participação popular e controle social no SUS, bem como favorecer reflexões aos atores envolvidos neste cenário, através de uma pesquisa narrativa baseada em publicações relevantes produzidas no Brasil nos últimos 11 anos.

É insuficiente o controle social estar apenas na lei, é preciso que este aconteça na prática. Entretanto, a sociedade civil, ainda não ocupa de forma efetiva esses espaços de participação.

 

O processo de criação do SUS teve início a partir das definições legais estabelecidas pela nova Constituição Federal do Brasil de 1988, sendo consolidado e regulamentado com as Leis Orgânicas da Saúde (LOA), n° 8080/90 e n° 8.142/90, sendo estabelecidas nestas as diretrizes e normas que direcionam o novo sistema de saúde, bem como aspectos relacionados a sua organização e funcionamento, critérios de repasses para os estados e municípios além de disciplinar o controle social no SUS em conformidade com as representações dos critérios estaduais e municipais de saúde (FINKELMAN, 2002; FARIA, 2003; SOUZA, 2003).

O SUS nos trouxe a ampliação da assistência à saúde para a coletividade, possibilitando, com isso, um novo olhar às ações, serviços e práticas assistenciais. Sendo estas norteadas pelos princípios e diretrizes: Universalidade de acesso aos serviços de saúde; Integralidade da assistência; Equidade; Descentralização Político-administrativa; Participação da comunidade; regionalização e hierarquização (REIS, 2003). A participação popular e o controle social em saúde, dentre os princípios do Sistema Único de Saúde (SUS), destacam-se como de grande relevância social e política, pois se constituem na garantia de que a população participará do processo de formulação e controle das políticas públicas de saúde.

No Brasil, o controle social se refere à participação da comunidade no processo decisório sobre políticas públicas e ao controle sobre a ação do Estado (ARANTES et al., 2007). Nesse contexto, enfatiza-se a institucionalização de espaços de participação da comunidade no cotidiano do serviço de saúde, através da garantia da participação no planejamento do enfrentamento dos problemas priorizados, execução e avaliação das ações, processo no qual a participação popular deve ser garantida e incentivada (BRASIL, 2006).

Sendo o SUS a primeira política pública no Brasil a adotar constitucionalmente a participação popular como um de seus princípios, esta não somente reitera o exercício do controle social sob as práticas de saúde, mas também evidencia a possibilidade de seu exercício através de outros espaços institucionalizados em seu arcabouço jurídico, além dos reconhecidos pela Lei Orgânica de saúde de n° 8.142/90, os conselhos e as conferências de saúde. Destaca, ainda, as audiências públicas e outros mecanismos de audiência da sociedade, de usuários e de trabalhadores sociais (CONASS, 2003; BARBOSA, 2009; COSSETIN, 2010).

Ademais, a Lei Orgânica da Saúde n.º 8.080/1990 estabelece em seu art. 12 a criação de comissões intersetoriais subordinadas ao Conselho Nacional de Saúde, com o objetivo de articular as políticas públicas relevantes para a saúde. Entretanto, é a Lei n.° 8.142/1990 que dispõe sobre a participação social no SUS, definindo que a participação popular estará incluída em todas as esferas de gestão do SUS. Legitimando assim os interesses da população no exercício do controle social (BRASIL, 2009).

Essa perspectiva é considerada uma das formas mais avançadas de democracia, pois determina uma nova relação entre o Estado e a sociedade, de maneira que as decisões sobre as ações na saúde deverão ser negociadas com os representantes da sociedade, uma vez que eles conhecem a realidade da saúde das comunidades.

Amiúde, as condições necessárias para que se promova a democratização da gestão pública em saúde se debruça com a discussão em torno do controle social em saúde.

O presente estudo tem como objetivo realizar uma análise do modelo vigente de participação popular e controle social no SUS e ainda elucidar questões que permitirão entender melhor a participação e o controle social, bem como favorecer algumas reflexões a todos os atores envolvidos no cenário do SUS.

Participação e Controle Social
Após um longo período no qual a população viveu sob um estado ditatorial, com a centralização das decisões, o tecnicismo e o autoritarismo, durante a década de 1980 ocorreu uma abertura democrática que reconhece a necessidade de revisão do modelo de saúde vigente na época, com propostas discutidas em ampliar a participação popular nas decisões e descentralizar a gestão pública em saúde, com vistas a aproximar as decisões do Estado ao cotidiano dos cidadãos brasileiros (DALLARI, 2000; SCHNEIDER et al., 2009; VANDERLEI; ALMEIDA, 2007).

Nessa perspectiva, a dimensão histórica adquire relevância essencial para a compreensão do controle social, o que pode provocar reações contraditórias. De fato, o controle social foi historicamente exercido pelo Estado sobre a sociedade durante muitos anos, na época da ditadura militar.

É oportuno destacar que a ênfase ao controle social que aqui será dada refere-se às ações que os cidadãos exercem para monitorar, fiscalizar, avaliar, interferir na gestão estatal e não o inverso. Pois, como vimos, também denominam-se controle social as ações do Estado para controlar a sociedade, que se dá por meio da legislação, do aparato institucional ou mesmo por meio da força.

A organização e mobilização popular realizada na década de 80, do século XX, em prol de um Estado democrático e garantidor do acesso universal aos direitos a saúde, coloca em evidência a possibilidade de inversão do controle social. Surge, então, a perspectiva de um controle da sociedade civil sobre o Estado, sendo incorporada pela nova Constituição Federal de 1988 juntamente com a criação do SUS (CONASS, 2003).

A participação popular na gestão da saúde é prevista pela Constituição Federal de 1998, em seu artigo 198, que trata das diretrizes do SUS: descentralização, integralidade e a participação da comunidade. Essas diretrizes orientam a organização e o funcionamento do sistema, com o intuito de torná-lo mais adequado a
atender às necessidades da população brasileira (BRASIL, 2006; WENDHAUSEN; BARBOSA; BORBA, 2006; OLIVEIRA, 2003).

A discussão com ênfase dada ao controle social na nova Constituição se expressa em novas diretrizes para a efetivação deste por meio de instrumentos normativos e da criação legal de espaços institucionais que garantem a participação da sociedade civil organizada na fiscalização direta do executivo nas três esferas de governo. Na atualidade, muitas expressões são utilizadas corriqueiramente para caracterizar a participação popular na gestão pública de saúde, a que consta em nossa Carta Magna e o termo ‘participação da comunidade na saúde’. Porém, iremos utilizar aqui o termo mais comum em nosso meio: ‘controle social’. Sendo o controle social uma importante ferramenta de democratização das organizações, busca-se adotar uma série de práticas que efetivem a participação da sociedade na gestão (GUIZARDI
et al ., 2004).

Embora o termo controle social seja o mais utilizado, consideramos que se trata de um reducionismo, uma vez que este não traduz a amplitude do direito assegurado pela nova Constituição Federal de 1988, que permite não só o controle e a fiscalização permanente da aplicação de recursos públicos. Este também se manifesta através da ação, onde cidadãos e políticos têm um papel social a desempenhar através da execução de suas funções, ou ainda através da proposição, onde cidadãos participam da formulação de políticas, intervindo em decisões e orientando a Administração Pública quanto às melhores medidas a serem adotadas com objetivo de atender aos legítimos interesses públicos (NOGUEIRA, 2004; BRASIL, 2011b; MENEZES, 2010).

Clique aqui para ter acesso ao estudo na íntegra (página 139 da Revista Saúde em Debate nº 97).