Partidos, governo e os equívocos sobre o SUS
Por Sonia Fleury*
As eleições municipais em 2008 trouxeram à tona a importância da atenção à saúde para a população brasileira, mais especialmente, a enorme preocupação com as dificuldades de acesso a serviços, exames, medicamentos e também com a falta de qualidade e efetividade de alguns serviços prestados pelo SUS. Impossível desconhecer os dramas cotidianos pelos quais passam pacientes e familiares e, fundamentalmente, a insegurança da maioria da população em relação à garantia efetiva de uma atenção integral, que realize o direito à saúde que foi garantido na Constituição de 1988.
Esta insegurança tem fundamentos concretos em vários municípios brasileiros, cuja implantação do SUS se deu de forma imperfeita e truncada, mas também é fruto da ausência de informações sobre milhões de pessoas que, anualmente, são atendidas em todo o país em serviços da mais simples a mais alta complexidade. Só para tomar um exemplo, a mídia passou dias noticiando o drama no qual terminou sendo morta a adolescente Eloá em São Paulo, mas, em nenhum momento, se referiu que todos os transplantes dos seus órgãos doados pela família foram realizados pelo sistema público, por equipes altamente especializadas, para pacientes que esperavam em uma fila pelo seu direito.
Esta permanente e parcial exposição das mazelas do sistema de saúde tem um efeito importante de denuncia de situações intoleráveis que devem ser eliminadas para permitir o pleno exercício do direito à saúde, mas, por outro lado, terminam identificando o SUS com aquilo que é a sua ausência ou com a precariedade das condições de seu funcionamento seja por falta de condições financeiras, materiais ou de gestão adequadas.
Outra conseqüência tem sido política, ou seja, afeta a relação do governo e dos partidos políticos com o SUS. Se, por um lado, os partidos da base governista sempre disputaram com ardor a direção dos órgãos e serviços da saúde, eles têm sido totalmente omissos na defesa do SUS, como política pública. Haja vista a quase total ausência de celebrações por parte dos governos – nacional, estaduais e municipais – na celebração dos 20 anos do SUS, uma dos baluartes da inclusão social da nossa recente democracia.
Diante desta conjuntura é importante observar, em uma rápida coleta de dados na imprensa, como diferentes Partidos Políticos estão se posicionando em relação à política de saúde e quais as conseqüências deste posicionamento para o SUS.
O PMDB, partido que se orgulha de ser o maior na base governista, venceu as eleições no Rio de Janeiro, onde a questão da atenção saúde polarizou os debates entre os candidatos, já que sua organização é reconhecidamente caótica, provocando grandes sofrimentos para a população. Ao invés de propor a articulação entre os níveis de governos, com definição de responsabilidades explícitas na organização dos serviços de forma a criar uma rede única com atenção de qualidade em todos os níveis, desde a atenção primária até a média e alta complexidade, o PMDB optou por criar um ícone, a UPA – Unidade de Pronto Atendimento.
Em recente artigo no jornal O Globo (11/11/08), o Secretário de Estado da Saúde de Minas Gerais, Marcus Pestana, alerta para os riscos de se tomar uma solução como a UPA como inovadora quando ela existe há muitos anos, e, pior ainda, como um modelo para alternativo ou substitutivo ao SUS, já que a UPA não terá efetividade se for vista de forma isolada: “Se desejamos honrar o sonho dos fundadores do SUS, não há outro caminho senão trabalhar para a superação do modelo de atenção piramidal, passivo, fragmentado. Daí nascerá uma rede horizontal integrada de serviços de saúde (unidades básicas, policlínicas, UPAs, laboratórios, farmácias, hospitais gerais, hospitais especializados) orquestrada por uma qualificada atenção primária. Afinal são as equipes de saúde da família que têm vínculos efetivos com as pessoas e as famílias”.
É interessante assinalar que, enquanto o governo se omite na celebração do SUS, a oposição saiu em sua defesa e, o governo estadual de São Paulo, do PSDB, realizou um grande evento internacional para celebrar seus 20 anos. Trata-se, evidentemente, de uma conjuntura muito apropriada para comparações internacionais, já na América Latina, apenas o SUS, o sistema de saúde da Costa Rica e o os países do Caribe inglês, tributários de outra tradição em políticas sociais, foram capazes de resistir aos ditames das agências internacionais para transformação dos sistemas públicos em seguros privados de saúde e previdência. Neste momento de crise do sistema financeiro desregulamentado, é necessário perguntar quem vai pagar a conta da subordinação das políticas sociais à acumulação financeira!
No entanto, a defesa do SUS pelo maior partido da oposição revela muitas contradições, pois, em artigo recente na Folha de São Paulo (10/11/08), o secretário de estado da saúde de São Paulo, Luiz Roberto Barradas, afirma que o SUS é “um plano de saúde que atende a qualquer cidadão, sem distinção de classe social ou idade.” Mesmo reconhecendo que o SUS atende a toda a população por meio das ações de vigilância e prevenção, ao identificá-lo como um plano de saúde, fica claro que a sua parte pública é o financiamento, podendo a atenção se prestada por entes privados contratados ou entes públicos com gestão privatizada, deixando de lado a concepção original do SUS como um sistema público de saúde. Além disso, o SUS também se afasta da sua doutrina originária, na qual é visto como um sistema único de saúde, passando a ser um dos planos que estão disponíveis no mercado. Esta concepção vem ganhando adeptos entre aqueles que passam a usar o termo SUS-dependentes para identificar os usuários que recorrem aos serviços públicos como sendo aqueles que têm um vínculo de dependência com o sistema. Não se trata mais de um cidadão no gozo de seu direito, mas de um consumidor coberto por um plano público de saúde!