Parto e nascimento: celebrações da vida
Por Lúcia Souto
O parir e o nascer, momentos de celebração da vida, se transformaram, no Brasil, em atos médicos cirúrgicos, as cesarianas, caracterizando uma completa inversão de padrões: o normal passou a ser a exceção, o que nos torna campeões do mundo nesse tipo de procedimento, uma verdadeira epidemia com todas as conseqüências daí advindas. Hoje na rede particular de saúde mais de 90% dos partos são cirúrgicos.
Em 19 de julho de 2012 o Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro (CREMERJ) editou duas novas resoluções: a 265/12, que proíbe a participação do médico nas ações domiciliares relacionadas ao parto, assim como a participação de equipes de suporte a parto domiciliares e em Casas de Parto; e a 266/12, que proíbe a participação de “doulas” em partos hospitalares.
Na prática, há o cerceamento, de um lado, ao exercício profissional de médicos e outros profissionais que exercem sua profissão com consciência, responsabilidade e qualidade, e, de outro, impede as mulheres de exercerem seu direito à livre escolha sobre o seu próprio parto.
Além de extrapolar suas atribuições, o CREMERJ vai de encontro a todas as práticas realizadas mundo afora onde as opções de parto são inúmeras, como na Holanda, por exemplo, onde só em torno de 1% dos partos são cirúrgicos e cerca de 30% são domiciliares.
Em outros países, como Alemanha, Inglaterra, França, Canadá e Estados Unidos, o percentual de partos cirúrgico está, em geral, abaixo dos parâmetros da Organização Mundial de Saúde (OMS), que considera que 10 a 12% do total de partos poderão requerer um procedimento cirúrgico. Nesses países a opção pelo parto domiciliar é respeitada, sendo garantido à mulher o suporte e toda a qualidade, inclusive a presença de doulas, para celebrar a chegada.
A questão envolvida nesse debate tem dimensões civilizatórias e retrata bem a crise de um modelo de saúde que, ao transformar o normal em “exótico” e normalizar o que deveria ser a exceção, institui a mais absurda medicalização da vida, tornando o parto uma produção em série, de hora marcada: o parto industrializado.
A mulher, de protagonista desse momento, passa a ser uma espectadora sem voz ativa para assumir e realizar seu próprio parto. Sem suporte, sem informação, ela perde poder e autonomia sobre seu parto e fica à deriva diant e de um linguajar “técnico” que lhes determina o que fazer.
É comum ouvir relatos de mulheres que desejam realizar seus partos humanizados sobre serem elas comunicadas que tal desejo não será possível e que a cesariana é necessária e inevitável. As histórias se repetem e muitas vezes ouvimos mulheres que escolheram a cesariana dizerem que, se tivessem tido acesso a outras informações, teriam realizado um percurso diferente. Outros relatos trazem uma face inadmissível dessa questão: a morte de mulheres e bebês no momento do parto e nascimento, relacionada com cesarianas desnecessárias.
Está aí uma oportunidade imperdível de aprofundar o debate e a troca de informações entre nós e também com outros países. A luta pelos direitos da mulher tem longa trajetória e não há lugar para arrogâncias e prepotências. Há uma agenda construída como fruto desse amplo debate e assumida como política pelo próprio Ministério da Saúde.
O Parto Humanizado está nas ruas e a força das ruas é capaz de inaugurar um novo momento da atenção ao parto e ao nascimento em nosso país e um lugar onde todas as possibilidades tenham lugar e que lhes seja assegurada a liberdade substantiva de escolher e de poder realizar tal escolha com consciência e dignidade.
Lucia Souto é médica sanitarista, membro da Fundação Oswaldo Cruz e ex-deputada estadual do Rio de Janeiro.