Planos sem controle
Correio Braziliense – 30/07/2012
A decisão da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) de criar novas regras para os reajuste dos planos de saúde coletivos com até 30 participantes (ou vidas, no jargão dos especialistas) é uma boa notícia. É uma pena que não tenha vindo antes. Mas a iniciativa de melhorar a regulamentação do setor não deveria parar por aí.
Ao contrário dos planos individuais, aqueles em que uma pessoa contrata por sua própria conta o serviço das operadoras, e para os quais a ANS estabelece um percentual máximo de reajuste anual, nos coletivos não há esse limite e os aumentos são livremente pactuados entre as partes — o que na maioria dos casos significa, na prática, que a administradora do convênio é que define quanto passará a cobrar.
Como mostraram reportagens publicadas pelo Correio, isso tem resultado em aumentos muito elevados, de 15% ou 20%, em comparação ao limite de 7,98% definido neste ano para os contratos individuais ou familiares. Em alguns casos, a alta alcançou escandalosos 37%. Não há índice de preços que justifique tamanho abuso.
As empresas alegam que esses números exorbitantes resultam do encarecimento dos procedimentos médicos e da elevação do percentual de sinistralidade, ou seja, quando o número de atendimentos aos clientes é maior que o previsto, ou quando as pessoas precisam de exames e tratamentos mais caros, é necessário reajustar os preços para reestabelecer o equilíbrio dos contratos.
O cidadão comum não tem como saber se as correções são ou não justificadas. Esses cálculos são complicados e ficam guardados nas empresas ou nos arquivos da ANS. Ao que parece, os custos e a sinistralidade sempre aumentam, pois não se tem notícia de que algum administradora tenha baixado a mensalidade, se em determinado período as pessoas tenham precisado usar menos os serviços de saúde…
Pool
A ANS quer estabelecer um sistema de pool de risco para os planos coletivos com número reduzido de participantes — que normalmente, segundo a agência, atendem os empregados de pequenas empresas. Isso significa que as operadoras não mais calculariam o reajuste de cada convênio isoladamente, mas fariam a conta considerando todos os planos dessa modalidade integrantes de sua carteira. Seria uma forma de diluir o risco por um número maior de participantes, o que resultaria em percentuais mais baixos de aumento na mensalidade.
É um avanço, mas pode-se perguntar porque a regulamentação deve ficar restrita aos planos com até 30 beneficiários. É notório que mesmo, nos convênios mais amplos, administrados por grandes operadoras, que abrigam milhares de “vidas”, as pessoas, mesmo sem saber, têm sido induzidas a assinar contratos em que figuram como integrantes de sindicatos ou associações de que nunca fizeram parte, ou nem sequer conhecem.
Algumas dessas associações têm toda a pinta de entidades de fachada, criadas na medida para abrigar clientes que, embora tenham procurado a operadora para assinar um contrato individual ou familiar de prestação de serviços de saúde, acabam, inadvertidamente, agregadas a um plano “coletivo” por adesão. O argumento para convencer as pessoas a aderirem a esse esquema é que o suposto plano coletivo fica mais barato do que o individual — o que é verdade, pelo menos no início.
O que não se explica claramente é que o reajuste das mensalidades desses planos não é limitado pela ANS e vai depender da sinistralidade e da elevação dos custos médicos — que são calculados pela operadora. Como esses aumentos tem sido invariavelmente maiores do que o percentual fixado para os contratos individuais, em pouco tempo a vantagem desaparece e o cliente pode acabar pagando até mais do que lhe seria cobrado num convênio tradicional.
Barganha
A ANS afirma que não interfere nos reajuste de planos coletivos porque a lei não prevê esse controle, e também porque as empresas ou associações que representam os clientes têm maior poder de barganha para negociar com as administradoras. Pode ser verdade em muitos casos. Mas não quando se trata de associações fictícias, criadas para aproveitar brechas e driblar a legislação. Não se pode acreditar que a entidade reguladora do setor não tenha conhecimento desse tipo de manobra.
Pelos dados da própria agência, apenas 17% dos contratos são considerados individuais e têm, portanto, o reajuste de suas mensalidades controlado. Os demais são classificados na categoria de coletivos e não estão sujeitos a limitação. Se a ANS julga que deve continuar sendo assim, que pelo menos alerte os consumidores sobre o que estão contratando. Afinal, transparência é o mínimo que se exige num setor tão essencial.
Os planos de saúde prosperaram porque o Estado não consegue garantir à população um sistema de saúde público decente. O problema, é bom ressaltar, não está nos profissionais médicos, que se desdobram para suplantar as condições adversas de trabalho, mas na gestão do sistema. As filas nos hospitais, a falta de equipamentos e a incerteza de presteza no atendimento, que pode significar muitas vezes o agravamento de doenças não tratadas, empurraram a classe média para os convênios particulares. A presença do setor privado no setor é legítima e, mais do que isso, necessária. Mas trata-se de um serviço público, que as agências têm o dever de fiscalizar e regulamentar.