Por que ler o livro Coronavírus: O trabalho sob o fogo cruzado
resenha escrita por Tatiane Araújo dos Santos, Docente da Escola de Enfermagem da UFBA, Diretora de Comunicação do Sindicato dos Enfermeiros do Estado da Bahia e Membro do Comitê em Enfermagem para o Enfrentamento da Covid na Bahia
O livro “Coronavírus: O trabalho sob o fogo cruzado” do professor Ricardo Antunes foi lançado pela editora Boitempo no “olho do furacão” da pandemia no Brasil: curva de contágio e de mortos crescente, potencialmente devido à ausência de políticas do governo federal que protejam a população. Ao contrário, o governo federal aposta e operacionaliza suas ações na necropolítica.
Neste cenário, um grupo em especial sofre em todos os aspectos as consequências desta pandemia: a “classe-que-vive-do-trabalho”. É sobre este grupo que Ricardo Antunes realiza as suas reflexões.
No livro, Antunes inicia fazendo um resgate do cenário pré-pandêmico da crescente precarização, vulnerabilização dos trabalhadores e perdas no direito do trabalho. Antes da pandemia já era claro a ausência de proteção social aos/às mais vulneráveis e aqui as questões de cor, gênero e classe se acumulam: os mais vulneráveis já eram mulheres, negras e pobres.
Neste cenário pré-pandêmico também já era brutal a informalidade e “uberização” do trabalho. No Brasil, chama atenção o desemprego por desalento ou desalento do desemprego, como bem chama atenção o autor.
É nesse contexto histórico que a pandemia chega no mundo e no Brasil. Tragédia anunciada, dado o sistema de metabolismo social capital – que é destrutivo na sua lógica ilimitada de expansão e de produção cada vez maior de valor e – que corrói insanamente o meio ambiente e também a força de trabalho.
Segundo Antunes, o que observamos agudizar nesse período de capital pandêmico – termo cunhado pelo autor para caracterizar este período – são as desigualdades já existentes no período pré-pandêmico, agora com um “toque” de crueldade: o abandono total dos mais vulneráveis e a exploração extrema da força de trabalho. A “classe-que-vive-do-trabalho” se vê na encruzilhada morrer por Covid-19 ou morrer de fome.
A pandemia aprofundou as segregações de classe, cor e gênero. Vide no Brasil em que as trabalhadoras que mais morrem são as do campo da enfermagem: mulheres, em geral de cor parda/negra. É também sintomático que o primeiro caso de óbito por Covid-19 no Brasil tenha sido de uma empregada doméstica que foi contaminada por seus patrões.
Antunes se interroga qual o futuro do trabalho. E nas suas reflexões aponta algumas perspectivas. Uma das primeiras é que precisamos superar o equívoco do fim do trabalho. Precisamos ainda superar “o sonho dourado” que o capital nos vende de que individualizados obteremos o maior sucesso. Contudo, em outra vertente aponta também que as formas de trabalho gestadas durante a pandemia como o home office e o teletrabalho “terão significativo crescimento” no pós-pandemia.
Para os/as trabalhadores/as isto significa maior individualização, maior desarticulação, menos relações solidárias, distanciamento da organização sindical dentre outras.
Por fim, Antunes nos provoca a pensar e inventar um novo modo de vida que vá de encontro ao metabolismo social do capital. Conseguiremos? Não conseguiremos? As possibilidades estão dadas e é mais uma vez a capacidade de organização da “classe-que-vive-do-trabalho” que poderá fazer a diferença no fiel desta balança.