Por que o sistema de saúde gera revolta no Chile
Artigo originalmente publicado no Outra Saúde.
“Sinto que neste país é um pecado ser pobre.” A frase é de Berta Aparicio, chilena que sofre com dores lombares graves e peregrina por um tratamento há seis anos. Os protestos no Chile despertaram a curiosidade de saber como funciona o sistema de saúde por lá, já que as falhas no cuidado aos doentes foram um dos maiores alvos da insatisfação dos manifestantes. A BBC Brasil foi atrás dessas respostas.
Em resumo, naquele país existe um órgão que administra os fundos públicos de saúde. Chama-se Fonasa e atende 80% da população. Já as instituições de saúde previdenciária, conhecidas pela sigla Isapres, atendem 17% dos chilenos. São instituições privadas com as quais se assina um contrato que suga boa parte do salário todo mês. Por fim, os 3% restantes correspondem a militares, atendidos em sistema de saúde próprio.
São estas as três ‘realidades’ em termos de acesso a ações e serviços de saúde no Chile. Como podemos imaginar, elas são bastante distintas. Para se ter uma ideia de como o poder de arrecadação é diferente, os Isapres detêm 50% do gasto total em saúde – mesmo que atendam a menos de 20% da população. Já os 80% mais pobres precisam se haver com um subfinanciado Fonasa. “Em saúde, existe um fator chamado determinantes sociais, que diz que as pessoas mais pobres têm a tendência a ficar mais doentes e, portanto, a gastar mais com saúde do que os mais ricos“, explica José Miguel Bernucci, secretário nacional da Faculdade de Medicina do Chile à reportagem.
Além disso, o gasto desembolsado pelas pessoas com saúde é muito mais alto por lá. Enquanto esse tipo de despesa nos países da OCDE representa, em média, 20% da renda das famílias, no Chile abocanha 35%. Se a média dessa despesa por ano ficou em US$ 351 no Brasil em 2018, por lá esse valor sobe para US$ 766. E como as médias nunca contam a história completa, é de se imaginar o quão catastrófico esse gasto pode se tornar. O caso de Berta Aparicio ilustra bem isso: vítima de um verdadeiro labirinto sem saída na busca por um tratamento no Fonasa, sua família chegou a cogitar vender a casa própria para pagar uma cirurgia de R$ 26 mil. Esse tipo de ‘escolha’ entre morar na rua sem dores, e dormir sob um teto sofrendo é, afinal, o motor da revolta chilena.