Precisamos falar sobre os agrotóxicos

Alguns problemas podem ser resolvidos com soluções criadas longe das atividades dos gigantes do setor

Rui Daher | Carta Capital

“Perigo, perigo, perigo”, alertava o robô do seriado “Perdidos no Espaço”, produzido pela CBS para a TV dos EUA, entre 1965 e 1968, sucesso também no Brasil.

A imagem aparece sempre que percebo pressões de confederações e associações ligadas ao agronegócio, contra ou a favor de rotinas ou medidas de órgãos que regulam a agropecuária ou instituições de pesquisa que os referendam.

Não que alguns pleitos não sejam legítimos. Afinal, se de um lado vigora pouca lucidez burocrática, de outro sempre haverá interesses econômicos inconfessos.

Agrotóxicos comercializados no Brasil são proibidos em outros países. Pesquisadores independentes, Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e mesmo folhas e telas cotidianas têm sido pródigos nessa divulgação.

A Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) e outras entidades vêm pedindo mudanças nos atores e métodos de análise para as aprovações.

Hoje em dia, Anvisa e ministérios do Meio Ambiente, Agricultura e Saúde conduzem os processos de cabo a rabo. Reclama-se da demora, o que fez crescer a ideia de criar-se a Comissão Técnica Nacional de Agrotóxicos, com 13 membros.

E de onde sairiam tais membros? Dos mesmos órgãos hoje encarregados da tarefa, somados, talvez, a porta-vozes das associações de fabricantes de agrotóxicos.

Curioso. Nesta Federação de Corporações, para abreviar processos, cria-se novas instâncias de aprovação. Estas reservarão os ossinhos duros de roer aos supostos eliminados que, ciosos do antigo feudo, os enterrarão em novos quintais, atrasando as liberações.

Intriga atual articulação que questiona o poder decisório de Incra (Instituto Nacional para Colonização e Reforma Agrária), Funai (Fundação Nacional do Índio), Anvisa e ONGs contrárias ao novo Código Florestal.

Tremei, pois, assentamentos para reforma agrária, demarcações de terras indígenas e quilombolas, agroecologia, áreas de preservação permanente, reservas legais.

A encrenca com a Anvisa tomou dimensão maior devido a uma lagarta de nome Helicoverpa armigera.

Depois de se deliciar com soja, milho e algodão, ela se alimenta com dieta bem menos nobre. Matos, ervas daninhas e, segundo relatos de pesquisadores, até copos de plástico. É como maneiram o apetite até a chegada do banquete da nova safra.

Apesar de o ministério da Agricultura ter liberado, em regime de urgência, a importação de produto supostamente eficaz (benzoato de emamectina), o ato foi embargado pelo Ministério Público, em razão de sua alta toxicidade.

Daí a quizumba. Fala-se que a Helioverpa causou, na última safra, prejuízos da ordem de 2 bilhões de reais nas culturas de soja, milho e algodão, valor que pode aumentar no novo plantio.

Amedrontados, os produtores mandam ver altas doses de inseticidas de outras marcas, o que os faz aumentar o custo e não deitar a lagarta.

Vários simpósios têm sido realizados. Pesquisadores atiram pra todos os lados. O plantio de grãos com sementes transgênicas que eliminam os inimigos naturais das larvas, como verificado nos EUA para o milho Bt. Desrespeito ao período de vazio sanitário em certas regiões. Até se cogitou de bioterrorismo.

Diante de tragédia tão grave, é de estranhar as poucas referências aos controles biológicos já existentes, disponíveis comercialmente, e testados e usados com eficácia em vários campos de lavouras.

Como tais produtos não são fabricados pelos principais gigantes do setor, suas massivas divulgação e aplicação poderiam fazer o agricultor acreditar que a salvação das lavouras não seja feito exclusivo dos agrotóxicos.

Na semana passada, presenciei apresentação de cientistas, proprietários de empresa de Campinas (SP) que detém tecnologia para fabricar controles biológicos capazes, inclusive, de fazer a Helicoverpa, em poucos dias, parecer café torrado.

Sem matar uma joaninha ou qualquer outro predador natural.

Existe e basta procurar. Alerta do robô: não será fácil furar o bloqueio.