PT: ameaça, esperança, maldição
Sonia Fleury | Publicado originalmente no site do Programa de Estudos Sobre Esfera Pública (EEP/EBAPE/FGV)
Joga pedra na Geni!
Joga bosta na Geni!
Ela é feita pra apanhar!
Ela é boa de cuspir!
(Chico Buarque)
A trajetória do PT confunde-se com a da própria democracia brasileira, expressa em sentimentos que misturam medo e esperança, desilusão e maldição. O PT surgiu nos estertores da ditadura fruto da reforma que criou o multipartidarismo para dividir a oposição agrupada no MDB, e imediatamente distinguiu-se dos demais por sua forte vinculação aos movimentos sociais e ao novo sindicalismo, além de absorver importantes quadros intelectuais da esquerda.
A experiência partidária no país havia sido curta (1945-1965), porém suficiente para experimentar o declínio dos partidos conservadores que representavam as elites rurais e urbanas e o crescimento expressivo do partido que representava os trabalhadores. O PTB saiu de 7% na eleição de 1945 para 29,8% em 1962.
A ditadura militar interrompeu esse processo, criou o bipartidarismo e manteve o funcionamento do Congresso com constante manipulação das regras para impedir que a oposição ganhasse. Isso tem consequência até nos dias atuais. Falta identidade aos partidos, ausência de enraizamento social, com o personalismo se sobrepondo às agremiações.
Chegamos à democracia com um sistema político esquizofrênico no qual os partidos políticos são demasiadamente frágeis na sociedade e muito fortes no Congresso, o que explica o descaso dos parlamentares para com os eleitores e sua subserviência e cooptação pelo Executivo.
O PT foi o único partido, desde 1980 até agora, capaz de capitalizar a dinâmica societária de organização de movimentos sociais em luta pelos direitos da cidadania. Apesar do medo dos conservadores, o Partido cresceu e criou uma identidade em defesa dos trabalhadores excluídos. Mobilizou a esperança e a energia de militantes em torno da ética na política, do primado dos direitos humanos e sociais, da luta pela inclusão social dos marginalizados, da construção de uma democracia deliberativa. Ao discurso ideológico de esquerda, arrogante e aguerrido, foram sendo acrescentadas novas práticas administrativas de governos locais que geraram importantes inovações na administração pública. As disputas da Presidência pelo carismático Lula foram seguidas pelo progressivo branqueamento das bandeiras vermelhas e pelo pragmatismo nas alianças, tornando-o mais aceitável para elites e massas.
Os governos do PT tiveram como características a retomada do desenvolvimento com inclusão social, mesmo que isso tenha representado abrir mão das propostas ambientalistas ao deserdar setores tradicionalmente representados pelo partido, como indígenas, sem-terra e ribeirinhos. O sucesso econômico, pela primeira vez conjugado com o regime democrático e com a orientação política de inclusão social foi apoiado por empresários, banqueiros e pela chamada Nova Classe Média.
Porém, as elites econômicas que toleraram o partido no governo nunca lhe foram fiéis e a classe média tradicional deixou de apoiar o partido, assustada com os efeitos da estratificação social promovida, entrincheirando-se em um conservadorismo moralizador anti-corrupção. Sobraram as centrais sindicais e o povão, beneficiado pelas políticas assistenciais e, sobretudo, pelo aquecimento do mercado de trabalho e aumento do salário mínimo.
A maldição ocorre na conjuntura atual de recessão econômica, explosão de sucessivos escândalos de corrupção, cruzada midiática pela criminalização do Partido e da Presidente. Adicionalmente, a adoção de medidas de ajuste ameaçam os direitos adquiridos pelos pobres deixam a militância perplexa, o que retira o apoio dos seus eleitores. Nessas condições, a ênfase na punição dos corruptos se sobrepõe a medidas que visam impedir sua ocorrência e a criminalização exclusiva do PT impede que se discuta a falência do sistema eleitoral e partidário atual e aprofundemos as reformas democráticas. Impede até mesmo a refundação do PT.
Não há vozes de oposição que defendam a democracia nem lideranças do governo que indiquem a direção consequente para a saída da crise econômica com a preservação das conquistas sociais. Enfim, o vazio deixado pela ausência de lideranças políticas tende a ser ocupado por oportunistas e golpistas.