Público e privado em debate no Simpósio
Os danos causados pelo crescimento da iniciativa privada no campo da saúde nos últimos anos foram discutidos por pesquisadores.
Especialistas e militantes que têm trabalho com a relação entre o público e o privado na Saúde em diversos campos participaram da primeira mesa “O primado do interesse público na saúde”, ocorrida no segundo dia (8) do II Simpósio de Política e Saúde do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes). São eles: Ligia Bahia, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e vice-presidente da Abrasco; Fausto dos Santos, do Ministério da Saúde; Marcelo Firpo e Angélica dos Santos, ambos pesquisadores da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fioruz) . O debate foi mediado por Lenaura Lobato, ex-diretora executiva do Cebes.
Em sua apresentação, Ligia Bahia sublinhou o aumento da financeirização dos planos privados. O fenômeno, que cresce desde o início dos anos 2000, representa a entrada do capital financeiro na dinâmica de acumulação do mercado dos planos de saúde. Ela exemplifica: “A Amil começou o processo de financeirização após a crise econômica mundial de 2009. Em 2010, ela se tornou uma das maiores empresas de planos de saúde do mundo. Hoje, nós temos um mercado totalmente diferente de quando eu estudei isso em 1999”. Não por acaso, argumenta a pesquisadora, as grandes corporações estão investindo em Saúde. “Existe um argumento econômico que é utilizado por parte do governo para não investir em Saúde. É um argumento diabólico, pois essa é uma área não produtiva. A precarização do SUS abre a porta para o agigantamento da iniciativa privada. Ou nós enfrentamos esse argumento ou seremos engolidos por ele”. Ligia lembrou que a incorporação das classes C e D aos planos de saúde representa a inclusão pelo consumo. Se continuar assim, indicou, a tendência é que haja 60% da população com planos de Saúde, contra 40% que contarão com o SUS.
A ideia de que a precarização do SUS é a força motora do crescimento dos planos de saúde é compartilhada por Fausto dos Santos. “Os planos de Saúde são, segundo indicam pesquisas, o objeto de consumo de grande parte da população. Só perde para a casa própria”, disse. Para Santos, dois pontos foram fundamentais para se chegar ao nível de fragilização em que se encontra o Sistema Universal na atualidade: a não regulamentação da Emenda Constitucional 29 e o pacto federativo no Brasil. “O pacto federativo brasileiro construído pela Constituição de 1988 na questão da área da saúde me parece insuficiente para dar conta de um tema nacional, hierarquizado com a participação das três esferas de governo”, apontou o pesquisador.
Na sequencia, Marcelo Firpo provocou a plateia ao abrir a sua apresentação, declarando que se sente cada vez mais contra-hegemônico na área da saúde coletiva.“Uma das características desse meu desconforto é que meus objetos de pesquisa envolvem a avaliação de críticas de riscos ambientais, apoiando movimentos sociais e populações atingidas em setores de grande poderio econômico e político como a mineração e a siderurgia, agronegócio e agrotóxicos”. Na opinião de Firpo essas questões, embora presentes em muitos fóruns por que passa, não interessam de fato aos pesquisadores da saúde coletiva.
Marcelo Firpo leu um texto, de sua autoria, no qual destacou seus trabalhos de campo que mostram danos ambientais e riscos à saúde das populações, provocados por empreendimentos de grandes corporações que, segundo ele, comprovam a necessidade de aproximar de uma vez o campo da saúde e o meio ambiente. Firpo ainda caracterizou o modelo de desenvolvimento do Brasil semelhante ao da China “por suas características não só em termos de desigualdade e autoritarismo, mas em termos de prejuízos ambientais”.
“Olhar o SUS a partir do mercado”. Essa foi a proposta de Maria Angélica dos Santos, ao iniciar sua palestra, a última da manhã. Maria Angélica mostrou uma pesquisa, com dados preliminares, realizada em conjunto entre a ENSP e outras instituições. De acordo com os números, houve um aumento acentuado de serviços de Saúde tanto no setor público quanto no setor privado na economia entre 1980 e 2010, período analisado pela pesquisa. “Esses serviços aumentaram muito. Em 1980, os serviços privados tinham a significativa participação na economia como um dos maiores mercados privados do mundo. O interessante é ver que a participação privada cresceu com pouca variação de serviços”. A pesquisadora ressaltou que essa relação economia/saúde não pode passar despercebida pelo gestor público. “O SUS está inserido dentro de uma dinâmica econômica que gera muitas ameaças e algumas oportunidades. Como o gestor pode ficar sem entender isso?”, indicou.