Qualidade da atenção ao aborto no SUS do Nordeste brasileiro: o que dizem as mulheres?

O aborto é grave problema de saúde pública no Brasil pela magnitude da sua ocorrência e pelas complicações à saúde, que chegam a ocasionar a morte, e podem ser evitadas por atenção adequada e oportuna1. Por ser permitido apenas quando a gravidez resulta de estupro ou constitui ameaça à vida da mulher, é realizado frequentemente de modo inseguro, gerando hospitalizações desnecessárias e representando riscos à saúde.

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Em 2010, em inquérito nacional em áreas urbanas 22% das mulheres de 35 a 39 anos declararam já ter provocado um aborto2. No mesmo ano, registraram-se no país 220.571 internações por complicações do aborto. Na única pesquisa de abrangência nacional3, realizada em 2002, nas capitais brasileiras e no Distrito Federal, evidenciou-se que 11,4% dos óbitos maternos foram devidos a complicações de abortos. Entretanto, existe o reconhecimento de serem estas as causas mais mal declaradas.

A severidade das complicações, embora determinada pelas condições de ocorrência do aborto, depende em larga medida da atenção prestada nos serviços de saúde. São constantes as denúncias do movimento de mulheres acerca de problemas enfrentados pelas usuárias de serviços de saúde, incluindo desde a dificuldade de acesso a uma vaga até situações de discriminação sofridas durante a internação. Esses problemas foram evidenciados em pesquisas qualitativas, realizadas em serviços públicos por profissionais de saúde, principalmente enfermeiras, mas ainda são insuficientes os estudos sobre a qualidade da atenção recebida nos hospitais pelas mulheres que abortam.

A avaliação da qualidade da atenção inclui como importante componente a satisfação de usuários. Os estudos nacionais sobre satisfação tornaram-se mais comuns a partir de 1990, como decorrência das lutas pela democratização que consolidaram direitos à saúde na Constituição de 19887. Nesta década, cresceu o movimento pela humanização dos serviços de saúde, que tem como elementos centrais o respeito aos direitos dos usuários e consequentemente a satisfação destes com a assistência prestada.

Em 2005, o Ministério da Saúde lançou a publicação “Atenção Humanizada ao Abortamento: norma técnica”8, que define como elementos essenciais do modelo de atenção: o acolhimento e a orientação, a atenção clínica ao abortamento e o planejamento reprodutivo pós-abortamento. Entretanto, após quase uma década, não foram realizados estudos que avaliassem em que medida estas normas, que foram reeditadas em 2010, estão sendo cumpridas no Sistema Único de Saúde (SUS).

Este estudo se insere na pesquisa GravSus-NE que teve entre seus objetivos avaliar a qualidade da atenção prestada às mulheres admitidas por complicações do aborto em hospitais públicos do Sistema Único de Saúde (SUS), comparando três cidades da região Nordeste – Salvador, Recife e São Luís. A pesquisa inclui estratégias qualitativas e quantitativas, mas no presente artigo serão apresentados os resultados do inquérito de usuárias, com o propósito de analisar a adequação às normas técnicas relativas à atenção ao aborto inseguro e o grau de satisfação com o cuidado recebido durante internação em decorrência da prática ou de suas complicações.

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