Quilombolas lutam na Justiça de SP pela devolução de terras

Portal Vermelho – 02/05/2012

Em Registro, no Vale do Ribeira, Paulo, uma antiga comunidade quilombola luta na Justiça para reaver seu terreno com cerca de 60 hectares. São descendentes de escravos libertos na área desde 1850. Lá, vivem 25 famílias, que sobrevivem do trabalho como mensalista e diarista nas fazendas dos arredores de suas terras; trabalhando nas plantações de banana e pupunha, além da comercialização do excedente de pequenas lavouras e plantas ornamentais.

Em nome da Comunidade Quilombola Peropava, foi ajuizada uma ação, no dia 9 de março, pela Defensoria Pública de SP, para invalidar uma sentença transitada em julgado que transferiu a propriedade da área para produtores rurais, após ação de usucapião proposta em 2005.

Segundo a argumentação dos defensores públicos, Andrew Toshio Hayama e Thiago de Luna Cury, a área não poderia ter sido fruto de uma ação de usucapião, pois normas da Constituição Federal vedam essa situação ao determinar que as terras remanescentes de comunidades quilombolas são bens públicos.

“A comunidade quilombola de Peropava é (e sempre foi) possuidora das terras usucapidas. O artigo 68 da ADCT (ato das disposições constitucionais transitórias) garante aos remanescentes quilombolas a propriedade dos territórios por ele tradicionalmente ocupados, realizando uma afetação desses solos ao interesse público. Sendo assim, tais terras tornaram-se imprescritíveis”, afirmaram.

Segundo a ação, há registros de ocupação por descendentes de escravos libertos na área em disputa desde 1850. A identidade da comunidade quilombola – caracterizada pela religião, costumes, formas de expressão, entre outros elementos – sinaliza a presença dessas pessoas no local.

No Estado de São Paulo, a grande maioria dos quilombos está localizada no Vale do Ribeira: das 28 comunidades reconhecidas, 21 estão no Vale do Ribeira, segundo o Instituto de Terras de São Paulo (Itesp).

Há, inclusive, um laudo antropológico elaborado pelo Itesp que revela um processo de expropriação e expulsão de terras, causado pela construção do bairro de Peropava. Mesmo assim, em 1972, os membros da comunidade conquistaram o título de domínio da terra pelo Governo do Estado de São Paulo.

No entanto, por conta da ação de grileiros, aproximadamente 15 das 40 famílias quilombolas deixaram a comunidade entre as décadas de 1960 e 1990. Mais da metade da área passou a ser ocupada, então, por pessoas alheias à comunidade – como os produtores rurais que ingressaram, em 2005, com a ação de usucapião.

“Aqui estão em jogo, de um lado, a preservação do patrimônio histórico e cultural do povo brasileiro que somente será adequadamente protegido e preservado se as terras quilombolas forem mantidas nas mãos de seus legítimos proprietários, os quilombolas, e o direito constitucionalmente previsto dos remanescentes dos quilombos às terras por eles tradicionalmente ocupadas; de outro, o “direito” à propriedade particular de um latifundiário que se apossou de parte das terras quilombolas por meio de coação”,argumentaram os defensores.

Histórico

Alguns trechos da ação contêm um histórico relevante da área, como os primeiros registros, na década de 1950, de ocupação por descendentes de escravos libertos advindos do bairro Guariruva e da cidade de Iguape. Francisca e Domingos Alves, que figuravam nos registros da Coroa Portuguesa como negros livres, em fenômeno conhecido como “brecha camponesa”, são cidadãos da comunidade.

Habitantes de Iguape, deram origem aos desbravadores de Peropava, José Francisco Alves e Chico Alves, que ocuparam o local em busca de terras livres. O grupo familiar original permaneceu próximo a um ribeirão, conhecido ao longo dos tempos pelos membros da comunidade como ribeirão do Mocafe, a ponto de tal nome ser mencionado inclusive oficialmente, em mapa do IBGE confeccionado em 1974. A expressão Mocafe ou Mucafre passou a designar os membros da família, denominados desta forma até os dias presentes.

Por volta de 1870, novo sujeito relevante aparece em cena, Senhor Antonio Evaristo Bruno de Melo, escravo liberto vindo de Iguape, que acaba por se unir aos Mucrafes, cuja descendência até hoje está fortemente presente na comunidade.

Documentos da época em que se iniciaram tentativas de regularização fundiária da área já apontavam os Mucafres como moradores das terras de Peropava (fls. 39 do Relatório Técnico-Científico).

Mas a identidade entre grupos e território não é a única característica a sinalizar a constituição de identidade comunitária quilombola. Também religião, costumes, formas de expressão, sistema de agricultura coivara. Todos são elementos compartilhados pelos membros.

Com Defensoria Pública de SP